De volta para o cotidiano!

Postado por: em mar 31, 2012 | 6 Comentários

 Para Rodolfo Amorim

Todos que acompanham a vida deste simples sitiozinho, há seis meses aberto para visitação, sabem disso: vira e mexe voltamos ao tema que virou refrão entre poesias, reportagens e músicas. Sem que a gente perceba, logo estamos falando de novo sobre identidade.

Não apenas a respeito do que nos identifica e nos singulariza como pessoas, mas como um grupo de crentes. A credulidade tem rosto e tem pensamento! Enquanto meu vizinho arruma a torneira barulhenta dele, a moça perdida em suas angústias se encontra com Deus numa pequena reunião da Igreja, um bebê é abandonado pela mãe, um homem de cinquenta anos baila em frente a praia ao som do brega, o calouro de advocacia levanta peso na academia, sua namorada procura o conselho da amiga sobre como terminar o namoro, meu primo faz aniversário, a lua se levanta entre as estrelas enquanto os gatos observam quem passa na rua e eu continuo tossindo depois da gripe…  Enquanto tudo isso acontece pergunto a Rodolfo o que a tradição cristã reformada pode acrescentar à proposta de redenção das artes apresentada pelos irmãos católicos no século passado. Murilo Mendes, Tasso da Silveira,  Jorge de Lima, Cecília Meireles e outros deram fôlego novo, modernista,  às aspirações religiosas da nossa poesia e deixaram um legado importante para nós. Resta saber o que pode ser acrescentado principalmente pelos evangélicos hoje mais perto dos livros, do conhecimento, das artes, cada vez mais animados com a faculdade e cursos diversos que necessariamente não obedecem o famoso “espírito do capitalismo” tão aliado à proposta reformada de serviço e dinheiro – progresso, lucro e vocês sabem do que eu estou falando…  Bem, o que os artistas evangélicos podem construir em cima dessa plataforma deixada pelos católicos?

 

Começo este parágrafo citando o que pensa Rodolfo Amorim, meu amigo e mentor, a respeito da proposta evangélica. Ela “ tem um lugar para os temas existenciais sob a categoria do tempo, mas não se priva de declarar como em muitos salmos as glórias da realidade criada e da abundância de vida do Criador. A tendência em se fixar sob a categoria do tempo pode tornar nossa percepção da vida um tanto sombria [tema recorrente em alguns católicos], sem um chão ou um cenário de localização de Deus além de nossa condição subjetiva universal. Assim, existe uma abertura para o entendimento da realidade lá fora, na multiplicidade de tons, cores e texturas e nas nuances de uma criação cheia de glória e de revelação, mas que já não conseguimos captar. A vida que estamos perdendo está por aí, e não se encerra em nossa subjetividade e anseios individuais e esperanças. Um exemplo interessante que sempre cito é o quadro de Jan Steen, Celebration of a Birth” [veja a seguir].

Posso dizer que diante de tudo que já li sobre a riqueza do ambiente protestante no ramo das artes, o cotidiano é sim o grande objeto pintado e representado pelos gênios daquela época; a “cena principal” da nossa história acontece não nos abismos da abistração, mas em comunidade. As nossas subjetividades são ampliadas quando voltamos a enxergar a beleza que existe no mundo. Imagine, seria esse o caminho: voltar à torneira do vizinho, falar da moça perdida em suas angústias que se encontra com Deus numa pequena reunião da Igreja, o bebê que foi abandonado pela mãe, aquele cinquentão dançando ao som do brega em frente a praia, o calouro de advocacia levantando peso na academia igual um idiota enquanto sua namorada procura conselhos pra terminar o namoro, o meu primo que fez aniversário, a lua se levantando entre as estrelas enquanto os gatos observam quem passa na rua e a tosse que não passa mesmo depois de tantas palavras? Seria tudo isso transparência para aquela inconfundível Graça de um Deus bondoso e presente?

 

Jan Steen celebrating the birth 1664

 

Marcos Almeida

 

6 Comentários

  1. Igor José
    31 de março de 2012

    Aplausos!!!!!
    O véu da ignorância está sendo arrancado calmamente e de pouco em pouco estamos conseguindo enxergar o horizonte claro e alcançável a nossa frente.

    A arte (poesia) está em todos os lugares, atos e fatos, a começar na criação do mundo quando Deus fez surgir tudo do nada e modelou com a sua palavra tudo o que conhecemos hoje e principalmente o que somos.

    Deus é arquiteto, é escultor, é poeta, é estilista, é chef de cozinha ( lembra do maná que desceu do céu?) e por aí vai.

    O anseio pelo belo passou de Deus para nós e mesmo com a deformidade causada pelo pecado no ser humano, ainda é possível enxergar as belezas da vida através da fé, um importante combustível para a arte e pelo meio do qual nos valemos para expressá-las.

    Fé, esperança e poesia sempre.
    Deus abençoe Marcos!

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  2. Juliana Rodrigues
    31 de março de 2012

    Na minha opinião, não há nada mais rico do que o cotidiano, a vida do ‘ser social’ – que ainda se encanta com essa vida – para fazer valer e mostrar a arte que está nela. Por outro lado, há uma arte que parte daquela experiência que só pode acontecer de dentro pra fora, e é subjetiva, é individual. E quando é expressa, alcança (e pode até mudar) a sociedade por sua beleza, seu espanto, sua transcendência…
    Eu sei… Há uma luta entre Durkheim e Weber neste comentário… É a busca por este equilíbrio que tanto precisamos.
    Enfim…
    Mais uma vez, obrigado por me fazer refletir…
    Sempre muito bom!
    Paz,
    Juliana Rodrigues

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  3. Vanessa Santos
    31 de março de 2012

    Uma arte que mostra o Emanuel, o Deus conosco, aqui, no meio do trivial… Parece que o caminho é mesmo por aí.

    Abraço!

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  4. Fernanda Macedo.
    31 de março de 2012

    êita!!!!
    E Viva o existencialismo…enfim algo que saia de denúncias do meio cristão ou dos tantos blogs sem função…

    Vida Longa!!!!
    ^^

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  5. Tiago Balbino
    19 de abril de 2013

    o Eterno nos criou para o cotidiano e nada podo negar isso, a doce amizade dEle é a essência de existir e prosseguir em uma vida plena.

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  6. Nossa Brasilidade » Adélia Prado / Aula Magna: o poder humanizador da poesia.
    23 de abril de 2013

    […] a pessoa se dar conta de que todos nós, artistas ou não, pobres ou ricos, só temos o cotidiano, o cotidiano de todo mundo é absolutamente ordinário. A cada um de nós, cabe a vida comum, o cotidiano. E eu […]

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