Em MPB, SEXO

Cinco desafios para Vênus

Postado por: em jan 29, 2014 | 7 Comentários

Contra o machismo, a hipocrisia, o casamento, o patriarcado e as meias palavras.

 

1. Derrotar o machismo careta.

O rock está ficando bom de novo, mas quando se fala em Marcelo D2 e Charlie Brown Jr., esse pessoal mais agressivo, fico com a sensação de que está tudo muito machista. Falta alguém como Freddie Mercury ou Elton John. Tem que ter banda gay. Tivemos grandes ícones nos anos 80, Cazuza e Renato Russo, por exemplo, que eram pessoas livres e que faziam o que queriam. Sem gente desse tipo, o mundo fica muito careta” (Léo Jaime, cantor e apresentador de tv, ao Jornal do Brasil, em 2005)

 

2. Diminuir a distância entre comportamento e composição musical.

A vida brasileira está muito à frente da música e da dramaturgia popular brasileiras. A homossexualidade ainda é tabu, palavrão é tabu, alegria é tabu, até virgindade é tabu. Mas não é só a indústria de massas e seus artistas, a imprensa escrita e a TV também insistem em divulgar valores mesquinhos, ultrapassados e provincianos” (Paula Toller, depoimento a Rodrigo Faour).

 

3. Acabar com o casamento e a monogamia.

O que muito antigamente era remédio para a agressividade da humanidade, para o sentido de poder das comunidades, o casamento monogâmico, virou hoje o veneno maior que há para as relações amorosas” (Fátima Guedes, cantora e compositora carioca)

Aproveitando o clima, faço um link com a mãe espiritual de Anitta. Vejam aí dona Key cantando uma obra de Andinho que reverbera muito das ideias defendidas pela Fátima acima.

Só quero ficar / Não quero namorar …./ Eu vou trabalhar / Me dedicar aos estudos / Me estabilizar / Ter meu lugar no mundo… / Não quero depender de ninguém / Prefiro preparar meu coração…/ Sem ter que dar satisfação/ Eu vou curtir minha vida / Me prender a alguém? / Quem sabe depois dos trinta / Por enquanto não / Ainda não tá na hora / Casamento no, no / Casamento, tô fora

 Só quero ficar (Andinho), gravado por Kelly Key, 2003

 

4. A morte do patriarcado.

realmente, o destino dos homossexuais, tanto quanto o das mulheres, até hoje está na dependência direta da morte do patriarcado” (Rodrigo Faour)

O “patriarcado” significa toda figura de autoridade; padre, pastor, policial, mãe, o antigo professor (Antônio Candido, por exemplo, é hoje chamado de ‘burguês’ pelos novos professores comunistas da USP – querem desconstruir a imagem de um dos maiores críticos literários do país), sem contar os políticos que já são mais desqualificados que qualquer outra autoridade nesse país. Tudo isso (qualquer símbolo de patriarcado) representa a imagem satânica do opressor e tudo que devemos fazer é lutar contra eles.

Mas, parece que estou aqui maquinando um jeito para estragar a festa dessa turma. Enquanto divulgo essa série que originalmente ministrei em uma conferência no ano passado,  posso ser chamado, além de machista, de pai protetor e chato! Outro dia li sobre um jornalista e crítico social norte-americano chamado H.L. Mencken  – 1880/1956 – ele disse uma frase que ficou muito famosa: “imoralidade é a moralidade daqueles que estão se divertindo mais do que nós”. Tom Wolfe em uma palestra recente no Brasil falou assim: “os intelectuais do nordeste dos EUA, a maioria vem de lá, olham para o país acreditando profundamente que os cristãos evangélicos são uma espécie de pequenos demônios que estão lá para evitar que o resto de nós curta a vida”. De certa forma representamos esse patriarcado que Vênus quer matar.

 

5. Vênus quer libertar o vocabulário sexual das amarras poéticas do romantismo.

Paulo Sérgio Valle, importante letrista brasileiro, nesse livro do Faour, diz que há “pouco vocabulário de tesão da língua portuguesa no limite do bom gosto”. Vamos ouví-lo em suas próprias palavras: “Esse é um dos maiores problemas dos letristas brasileiros: nosso vocabulário para música nesse aspecto, sem cair na vulgaridade, é reduzido. Existe uma repetição de palavras, e quando ousamos botar uma outra palavra mais pesada, a letra acaba sendo rejeitada pelos interpretes ou pelos produtores.

 

“Não é que o sexo hoje seja muito diferente do que era há dez anos. A diferença é que hoje ninguém mais se preocupa em fechar a janela.” (Millor Fernandes)

 

Querem, por fim, abrir as janelas da linguagem também, porque assim seriamos mais honestos com o sexo!

Parece que Erasmo Carlos concorda com Paulo: “Eu sinto falta, quando faço música, de falar mais abertamente de certas sensações, até de usar palavrões. Porque para se falar de algumas coisas que a gente sente, não existem sinônimos. Isso dificulta até as divisões das músicas, por não ter rimas pra dizer aquilo que a gente quer. No fundo, às vezes, a gente quer dizer ‘Quero te foder’ ou ‘Quero comer você’. Se muda para ‘quero fazer amor com você’, o autor prostituiu uma frase. Essa linguagem popular está mais de acordo com a realidade, sem a frescura de bom gosto, dos ‘bons costumes’ ou da censura”.

 

Chamo agora, pra concluir, a cantora e compositora de Porto Alegre, Adriana Calcanhotto. Ela vai explicar melhor essa coisa de bons modos e de palavras certas e requintadas.

 

Eu não gosto do bom gosto /Eu não gosto de bom senso /Eu não gosto dos bons modos / Não gosto

 

Eu agüento até rigores

Eu não tenho pena dos traídos

Eu hospedo infratores e banidos

Eu respeito conveniências

Eu não ligo pra conchavos

Eu suporto aparências

Eu não gosto de maus tratos

 

Eu não gosto do bom gosto /Eu não gosto de bom senso /Eu não gosto dos bons modos / Não gosto

 

Eu agüento até os modernos

E seus segundos cadernos

Eu agüento até os caretas

E suas verdades perfeitas

 

Eu não gosto do bom gosto /Eu não gosto de bom senso /Eu não gosto dos bons modos / Não gosto

 

Eu agüento até os estetas

Eu não julgo competência

Eu não ligo pra etiqueta

Eu aplaudo rebeldias

Eu respeito tiranias

E compreendo piedades

Eu não condeno mentiras

Eu não condeno vaidades

 

Eu não gosto do bom gosto /Eu não gosto de bom senso /Eu não gosto dos bons modos / Não gosto

 

Eu gosto dos que têm fome

Dos que morrem de vontade

Dos que secam de desejo

Dos que ardem

 Senha (Adriana Calcanhotto), 1992

 

Sim! Faz todo o sentido a estética e mais especificamente a poética do funk carioca, se você seguir a linha evolutiva que esticamos até aqui.  Não é à toa que ele é louvado por Caetano, Lobão e Regina Casé – além da gente rica da zona sul e os intelectuais ao redor de Hermano Vianna. O funk carioca parece ser essa encarnação do mau gosto em liberdade. Ou nos termos libertários de Vênus, o funk seria o vocabulário sexual sem meias palavras.

Terças e quintas tenho divulgado os capítulos dessa série (hoje um pouquinho mais cedo) e na próxima terça vamos chegar mais perto de Eros, a paixão romântica. Não perca o fio da meada.

Até lá.

7 Comentários

  1. Nadia
    29 de janeiro de 2014

    É uma honra apreciar os seus textos, escritos com tanta inteligencia e sensibilidade! Lê-los é sempre uma grata surpresa.

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  2. Sara de Pinho
    29 de janeiro de 2014

    To gostando muito de ler essa série, Marcos. Ótimas reflexões! Ansiosa pra ler sobre Eros e o amor romântico. Será que ainda existem músicas assim nessa época em que Vênus tem reinado tão soberana? Curiosa pra saber sua opinião! Até terça!

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  3. José
    30 de janeiro de 2014

    Parabéns!

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  4. Joana
    30 de janeiro de 2014

    A mim (conservadora e até careta), me parece que vênus tem conseguido superar seus desafios

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  5. Barbara
    30 de janeiro de 2014

    Já que não posso comentar em seu face porque é bloqueado, comento aqui mesmo.
    QUERO LIVRO! hahaha

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  6. Isaque Oliveira
    30 de janeiro de 2014

    Muito bom Marcos.

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  7. Jackson Augusto
    30 de janeiro de 2014

    Muitoo bom,é um prazer pra mim refletir sobre a arte com tanta profundidade e sabedoria…
    🙂

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