Qual a marca dos cristãos dentro da história da arte no Brasil?

Postado por: em fev 15, 2012 | 16 comentários

Quarenta e três

Fernando, leitor do Blog, enviou ontem a tarde  um  comentário muito oportuno sobre o post ópera Magdalena de Villa Lobos:

Semana de Arte Moderna, foi o grande evento que marcou a história da Arte no Brasil.

E no cristianismo, qual seria o grande evento que marcou a história do cristianismo no Brasil?

A primeira consideração que faço é esta: o seu comentário fala de duas histórias neste nosso horizonte temporal, aqui nas fronteiras do Brasil. História da Arte e História do Cristianismo. A Arte é um aspecto da realidade cujo núcleo de sentido é a Estética (norma da alusividade) e Cristianismo pertence à esfera Pística (norma da fé). Sabendo disso, seria inconsistente qualquer história que não diferencia as particularidades dessas modalidades que experimentamos no dia a dia – de forma inteira.  O que podemos perguntar, sem achatar as estruturas soberanas de cada esfera, é o seguinte: qual a marca dos cristãos dentro da história da arte no Brasil?

Se você ler com carinho este Blog vai ver que tento responder essa pergunta diariamente. Provocando os visitantes, ensaiando opiniões e dando vários exemplos de autores e músicos que imbuíram na cultura marcas da sua  criatividade sem perder a fé, nem a Esperança, nem o amor. Aproveito a deixa, Fernando, e compartilho outro grande nome do modernismo brasileiro, pertencente ao grupo Festa.  Mário de Andrade fez o seguinte comentário a respeito dele:

Eu não sei nem me interessa saber a posição que assumirá futuramente na poesia contemporânea do Brasil, o canto claro e belo do poeta de O canto absoluto. Sei que, no momento, representa um fantasma quase insuportável, apavorando, castigando a maioria de nossas consciências individuais.

 Seu misticismo incomoda muito poeta de grande porte até hoje!

 

O texto a seguir cita outros companheiros desse movimento que desejava mais que estética, queria o total e quem deseja o total não pode abrir mão da Fé. Aproveite a folia, Fernando! Tasso da Silveira de volta ao Nossa Brasilidade:

 

 

Defin de Modernismo Cap. 8 _ Tasso Da Silveira

10 de Fevereiro / Olavo Bilac

Postado por: em fev 10, 2012 | 1 comentário

Quarenta e um

O Poeta Pop

 

Sua poesia não interessava ao projeto modernista, era vesgo (por isso adotou o pince-nez , para camuflar a vesguice), o mais popular dos parnasianos, um patriota e gênio. Em dois tempos vamos ouví-lo,  primeiro com “a língua portuguesa” depois com o soneto “Inania Verba”. O amor à língua e o grito impotente diante do Absoluto. Com vocês Olavo Brás Martins de Guimarães Bilac:

 

 

Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela…

Amote assim, desconhecida e obscura,
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela
E o arrolo da saudade e da ternura!

Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,

Em que da voz materna ouvi: “meu filho!”
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!

 (língua portuguesa – Olavo Bilac)

 

 

Ah! quem há de exprimir, alma impotente e escrava,
O que a boca não diz, o que a mão não escreve?
— Ardes, sangras, pregada à tua cruz, e, em breve,
Olhas, desfeito em lodo, o que te deslumbrava…
O Pensamento ferve, e é um turbilhão de lava;
A Forma, fria e espessa, é um sepulcro de neve…
E a Palavra pesada abafa a Idéia leve,
Que, perfume e clarão, refulgia e voava.

Quem o molde achará para a expressão de tudo?
Ai! quem há de dizer as ânsias infinitas
Do sonho? e o céu que foge à mão que se levanta?

E a ira muda? e o asco mudo? e o desespero mudo?
E as palavras de fé que nunca foram ditas?
E as confissões de amor que morrem na garganta?

(Inania Verba – Olavo Bilac)

07 de Fevereiro / Newton Moreno e Maria do Caritó

Postado por: em fev 7, 2012 | 1 comentário

Trinta e oito

 

Nova Geração

 

Rookmaaker dizia que o artista tem um tipo de aspirador espiritual apontado para o seu tempo. Ele aspira o que estiver ao seu alcance. As metáforas, os tipos, as palavras, as cenas revelam a poeira do cotidiano. Vamos ler agora  uma parte do que Newton Moreno conseguiu aspirar. Um dos mais premiados autores da nova geração.

 

A peça Maria do Caritó foi escolhida para esse post por um só motivo: eu assisti e gostei. Desse trecho tiro tanta coisa…

bilhete com a reserva para a peça

Espero que te inspire:


Cena 11

No escuro, ouve-se Maria cantando.

Maria Caritó

“Santo Antônio pequenino

Deus me guie em bom caminho

Nossa Senhora, minha madrinha

Nosso Senhor, o meu padrinho.”

 Luz volta e Maria está no mesmo lugar onde começou a peça. O pau-de-sebo no palco, com as bandeira de Santo Antônio penduradas no alto. Maria abraçada com a imagem de Santo Antônio.

Maria Caritó

Ontem, eu tive um pesadelo danado. Tu já pensasse se tu olhasse para a cruz e não achasse mais Jesus? Apois, no meu pesadelo, todas as imagens de Cristo sumiam das igreja e das casas. Era um varal de cruzes abandonadas , sem nenhum corpo do salvador, nem resto de seu sangue, nem bilhete de despedida. Mesmo sem sinal de roubo, a poliça começava a investigar. Os padres acreditavam em intervenção divina: Jesus desistiu de todos nóis. O homem caiu muito. Ele se mudou de mala, cuia e coroa de espinho para outro lugar. Aí, no meu sono, a cidade enlouquecia. Começaram a se acusar. Todo mundo virou um possíve suspeito. Até escolherem um morador novo e malquisto. Todos descobriram algo que não gostavam a seu respeito. Ele se traja diferente, ele não fala com quase ninguém, ele ouve música alto, ele parece meio afeminado, ele cheira mal. O povo danou-se a listar defeito no home, até que exigiro que ele confessasse. E ele, nada. Ainda assim, o homem era preso. Mas aí as imagens começaram a sumir em outro lugarejo próximo. E noutro. E noutro. Então eles viro que cometeram um erro e foram pedir para soltar o moço. Uns arrependidos começaram a se ajoelhar nas cruzes despidas de Nosso Senhor e rezavam com fé, pedindo uma explicação. Só quando toda a cidade tinha retornado à missa e pedia em coro para o retorno de Jesus é que entrou correndo pela nave da Igreja um menino e ele gritava: “Jesus pousou lá em casa!”. Pois num é que o povo foi todinho acudir à sua casa? Quando chegaram lá, era um casebre simples e tinha uma véia sentada, segurando uma imagem pequena, talhada em madeira, com a figura de Jesus. Ela disse: “Num sei porque esse aperreio. Eu sempre sube que ele voltaria. Isso foi só um teste para ver até onde ocês confiava que ele num abandonaria. Nunca perdi a fé.”

Aí, nessa hora, eu acordei. E considerei: é a fé que põe de pé, é a fé que faz desabar.

Ainda está valendo a promo.

Ah, esqueci de dizer: a Lilian Cabral é quem interpreta Maria Caritó. Releia agora imaginando ela no palco. É de arrepiar!

06 de Fevereiro / Caetano Veloso e sua “Língua”

Postado por: em fev 6, 2012 | 1 comentário

Trinta e sete

 

Resta-nos a invenção e uma nova sintaxe! O jeito brasileiro de falar português já nos foi dado, e agora o que faremos nós com esse tamanho de dádiva? A língua africana embrenhada com a fala indígena e a gramática lusitana se misturando, entrelaçadas elas mesmas no encontro dos portos, na visita do estrangeiro. Esse é o tabuleiro. Essa é fôrma onde fizeram a cocada: essa língua deliciosa e totalmente brasileira.  Resta-nos a invenção e uma nova sintaxe!

Enquanto vocês pensam nisso. Vamos ler, assistir e ouvir o professor Caetano Veloso nesta estonteante versão de “Língua” – uma obra prima do seu disco Vêlo de 1984.

 

 Língua
Caetano Veloso

Gosta de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de Camões
Gosto de ser e de estar
E quero me dedicar a criar confusões de prosódia
E uma profusão de paródias
Que encurtem dores
E furtem cores como camaleões
Gosto do Pessoa na pessoa
Da rosa no Rosa
E sei que a poesia está para a prosa
Assim como o amor está para a amizade
E quem há de negar que esta lhe é superior?
E deixe os Portugais morrerem à míngua
“Minha pátria é minha língua”
Fala Mangueira! Fala!

Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em pó
O que quer
O que pode esta língua?

Vamos atentar para a sintaxe dos paulistas
E o falso inglês relax dos surfistas
Sejamos imperialistas! Cadê? Sejamos imperialistas!
Vamos na velô da dicção choo-choo de Carmem Miranda
E que o Chico Buarque de Holanda nos resgate
E – xeque-mate – explique-nos Luanda
Ouçamos com atenção os deles e os delas da TV Globo
Sejamos o lobo do lobo do homem
Lobo do lobo do lobo do homem
Adoro nomes
Nomes em ã
De coisas como rã e ímã
Ímã ímã ímã ímã ímã ímã ímã ímã
Nomes de nomes
Como Scarlet Moon de Chevalier, Glauco Mattoso e Arrigo Barnabé
e Maria da Fé

Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em pó
O que quer
O que pode esta língua?

Se você tem uma idéia incrível é melhor fazer uma canção
Está provado que só é possível filosofar em alemão
Blitz quer dizer corisco
Hollywood quer dizer Azevedo
E o Recôncavo, e o Recôncavo, e o Recôncavo meu medo
A língua é minha pátria
E eu não tenho pátria, tenho mátria
E quero frátria
Poesia concreta, prosa caótica
Ótica futura
Samba-rap, chic-left com banana
(– Será que ele está no Pão de Açúcar?
– Tá craude brô
– Você e tu
– Lhe amo
– Qué queu te faço, nego?
– Bote ligeiro!
– Ma’de brinquinho, Ricardo!? Teu tio vai ficar desesperado!
– Ó Tavinho, põe camisola pra dentro, assim mais pareces um espantalho!
– I like to spend some time in Mozambique
– Arigatô, arigatô!)

Nós canto-falamos como quem inveja negros
Que sofrem horrores no Gueto do Harlem
Livros, discos, vídeos à mancheia
E deixa que digam, que pensem, que falem

05 de Fevereiro / Roberto Diamanso

Postado por: em fev 5, 2012 | Nenhum comentário

Trinta e seis

Do álbum “Plantas e Habite-se” vem esta belíssima canção que vamos ouvir a seguir. Hoje o Nossa Brasilidade recebe a poesia, a sensibilidade e a economia lírica de Roberto Diamanso, cujos versos se apresentam sem desperdiçar palavras, sem deixar de nos surpreender com os sons dessa riqueza nordestina.

O fraseado modal é fluido e vai se sustentando em harmonia mansa, como um riachinho raso, límpido e largo no meio dessa barulheira semiárida que é a canção industrializada. Vamos respirar e apreciar essa paisagem que Diamanso criou. Aproveitem.

 

Nossos novos atos

(Letra e Música : Roberto Diamanso)

Que bons ventos o trazem amigo,

Que bom te ver por aqui.

Sim. São os bons ventos

O sopro pneuma, o ar.

Olá, com o ar de quem traz

Boas novas chegando por aqui.

Avia vai lá chamar os irmão,

Vamos armar nossa tenda

Na grama do jardim trazer

Nossas riquezas a uma mesma mesa.

E repartir, medir boa medida,

Recalcada, sacudida.

Dá, dá e dar-se-vos-á

Com a mesma medida que medirdes, medi.

(Vozes: Roberto Diamanso,Odilio,Jonathan,Márcia)

 

Para ouvir clique aqui:   02 Nossos Novos Atos