CONSTELAÇÃO, MALABARISTA E GLOBO DE NEVE

Postado por: em ago 7, 2013 | 30 comentários

 

Vou falar de três nomes. Ouça atentamente.

 

Veja o Gospel; ele é a grife da dualidade. Entretenimento e religião o tempo todo a contradizer a própria sigla. Eterna tensão. O Gospel quer o templo no palco e acaba trazendo o palco para o templo. Mas, de repente,  surge nos anos 2000 o movimento de “adoração” que deseja resolver aquele contínuo contradizer pela supressão do entretenimento. Tentam com isso eliminar o outro lado da polaridade. Esse objeto que o Gospel insiste em fazer coexistir com a maneira de ser da igreja, começa a ser bombardeado. E aí, não existem mais artistas, somente adoradores. Não existem mais palcos, apenas altares. Realizam agora um sonho davídico anacronizado num utópico tabernáculo pós-moderno que utiliza itens do entretenimento de massas, como o rádio e a TV, para  didaticamente higienizar o meio com o fogo da santidade levítica. [desculpem os não-evangélicos que leem esse texto, mas preciso usar algumas palavras do nosso vocabulário interno, calma aí, no final vocês vão entender].

 

Essa solução do movimento 2000 é monótona para o entretenimento. Sim, todos já sabem disso:  a ‘música de adoração’ fora do ‘ambiente de adoração’ não faz tanto sentido, ela é uma música-experiência. Daí, é muito difícil aprecia-la isoladamente como obra de arte. O movimento 2000 é oposição forte ao entretenimento e de certa forma ao exercício de fruição estética. Esse movimento chamado de ‘adoração’ quer o templo pela eliminação do palco, sem no entanto abrir mão da mídia.

 

Uma música brasileira de raiz cristã tem sido nosso slogan e representa a maneira de vermos a relação entre fé e cultura. Consideramos que na amálgama de uma cultura mais ampla, que aqui chamamos brasileira, temos um núcleo que é a fé cristã, a ética decorrente de uma comunidade de fé e consequentemente os artefatos culturais que nascem desse lugar tão vivo. É preciso diferenciar esse nome dos dois outros acima! Usando algumas imagens vou tentar ser mais claro.

Malabarista e Globo de Neve

Vejo o Gospel como um jovem malabarista, mantendo no ar algumas bolinhas de pesos diferentes, uma delas é a religião, outra o entretimento. Não poucas vezes elas se tocam, despencam no chão, deixando o malabarista envergonhado, mas logo ele as toma de volta e começa tudo de novo. Por outro lado, vejo o Movimento de Adoração como aquele impressionante presente que o papai trouxe no Natal, e que  encantou a todos: o globo de neve. Dentro desta única esfera podemos ver a neve caindo sobre a casinha, basta sacudir com jeitinho e colocar sobre a mesa, mil sensações se desprendem da gente – parecem querer a bola, morar na neve, ficar pra sempre dentro de um globo de vidro.

Constelação

Tenho dito a quem me dá a honra de ser ouvido que no desenvolvimento da nossa brasilidade discernimos três tipos de ações básicas: redimir, rejeitar e inventar. Mas é preciso entender o lugar dessas ações e elas se dão no todo da vida, no mundo real. E o que é o todo da vida; o mundo real? É onde o palco está conectado com o templo, onde a capela comunica com o teatro, que fala ao mercado, que ouve a família, que deseja a arte, que se entretém no cinema, que escolhe seu governante, que obedece ou subverte as leis do país, que faz suas economias, que deseja o Eterno! O mundo real é uma constelação, uma espiral de muitas esferas brilhantes! Considere distinguir essas coisas no sentido de discernir, não de isolar. Porque , você vai ver que, embora distintas, todas elas estarão sempre conectadas.

Que Viagem é Essa?

 Essas ideias não brotaram na minha cabeça do nada. É resultado de anos de oração, meditação, conselho, estudo e pé na estrada. Fazer parte de uma banda brasileira de rock, dialogar com gravadora, estar na Universidade, falar com rádios e blogs, conversar com artistas e produtores, servir numa comunidade cristã cosmopolita, ser pai, ser esposo e filho, poder ouvir a intelectualidade cristã e não-religiosa, tudo isso, tem permitido gestar um pensamento, mas um pensamento feito para agir.

O difícil é o óbvio

Quem explica dá o molde e as duas fontes de explicação milenares são a teologia e a filosofia. É admirável encontrar no último livro do Lobão dois caras como Chesterton e Olavo de Carvalho formando as bases do seu texto crítico e muito divertido sobre a cultura popular. Mas não deveríamos nos assustar tanto assim, porque todos falam a partir de uma explicação de mundo, os famosos “pressupostos”, a surpresa é ver o ícone da rebeldia roquenrou se tornando um direitista de bases cristãs! Indubitavelmente a ironia de Chesterton e Carvalho apimentaram ainda mais a sagacidade do Lobón – o que não diz nada a respeito de filiação religiosa ou reforma de conceitos. Mas, o que quero dizer com esse exemplo é que falamos sempre a partir de categorias apreendidas dessas fontes de explicação; teologia e filosofia. Seja nas bibliotecas ou na sua forma diluída dentro do cotidiano, quando passam a ter uma cara de trivialidade, anestesiando, como diz certo amigo, o nosso senso crítico. É que podemos ser enganados pelas palavras difíceis de um teólogo ou filósofo, mas, somos constantemente ludibriados pelo senso comum, quando arrogantemente já achamos tudo óbvio demais.

Categorias de pensamento

 Acho útil apresentar as ideias de ‘família nuclear’ e ‘família estendida’ para vocês. A partir do que disse o Dr. Peter Wagner – irmão muito respeitado pelos pentecostais e esnobado pelos liberais.  Esse é um conceito da antropologia que serve para dizer o seguinte: existe a igreja no templo, no local de reunião, a famosa igreja de domingo, chamada por ele de família nuclear  e existe a igreja da segunda-feira, do mercado de trabalho, que poderíamos chamar de igreja na rua, denominada por família estendida. Para ele, existe um abismo cultural entre as duas igrejas.

D.A. Carson sugere os termos ‘cultura local’ e ‘cultura mais ampla’. Herman Dooyeweerd falaria em ‘modalidade pística’  e ‘modalidade estética’, ao falar de igreja e arte. Darrow Miller usa a imagem de ‘acampamento’ e ‘portas da cidade’, para indicar a ideia de algo que acontece ‘dentro’ e que se estende ‘fora’. Seja quem for o mestre, todos eles estão ensinando sobre como viver a vida no meio do mundo. Isso quer dizer que a ideia de constelação ou soberania das esferas, da qual sou filho, tem muitas semelhanças com todos esses movimentos de resposta ao problema fé e cultura, templo e trabalho, igreja e rua. Todos querem uma vida mais inteira, na íntegra!

De volta aos nomes

Chamei o gospel de Malabarista. Tomei o movimento de adoração como um encantador Globo de Neve. Enxerguei na música brasileira de raiz cristã essa surpreendente Constelação, uma espiral de muitas esferas brilhantes, cada uma com seu jeito de brilhar e que juntas formam um grupo de incontáveis conexões.

Nessa nova música brasileira não existem fãs, mas cúmplices. A vida que a gente vive na vitrine do mundo. Esse novo movimento considera a porosidade espiritual da cultura popular e não ignora o sagrado na rua. Essa arte da ‘família estendida’ reflete a realidade da ‘família nuclear’ junto aos ‘portões da cidade’, numa ‘cultura mais ampla’, mas jamais ousaria profanar seu lugar de ‘acampamento’, já que negócios são tratados fora da tenda, lá no mercado, junto aos portões e nunca dentro de casa.

Acredito que o Gospel precisa se reinventar ou irá desfalecer, afinal de contas nenhum malabarista consegue ficar tanto tempo equilibrando bolas de pesos diferentes.

O movimento de adoração pode avivar nosso culto comunitário e torna-lo outra vez extraordinário, intenso, inesperado e cada vez mais desinteressante para o entretenimento! Um Globo de Neve cognoscível e misterioso.

E a Constelação, ela brilhará intensamente. Brilhará ainda mais quando apagarmos o sol da nossa insensatez, sol que nos cega diante do óbvio e nos amarra ao trivial. Ela brilhará quando eu aprender a olhar para o céu e ver que tudo na vida está diante da face de Deus! Ela brilhará quando for “assim na terra como no céu”.

 Marcos Almeida para o Nossa Brasilidade

 

 

 

 

MANIFESTO ANTROPÓFAGO – Oswald de Andrade

Postado por: em jul 11, 2013 | 4 comentários

 

Na década de 1930, ninguém viu, mas foi lá que aconteceu a Fundação do Brasil . A expressão brasilidade tem o significado que tem por causa das ideias que naquela época floresciam; Sergio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre e Caio Prado Jr, Oswald de Andrade e Mario de Andrade, Getúlio Vargas e Assis Chateaubriand. Que época!

Tenho pra mim, na pouca leitura que fiz desse brilhante repertório intelectual, que – ao menos no campo da cultura pop – Oswald de Andrade com seu Manifesto Antropófago estabeleceu o marco regulatório para as próximas vanguardas. Alvo de muitas críticas e milhares de seguidores, alguns sem saber que eram, leia a seguir um texto revolucionário que permanece como a única bula e remédio para os nossos grandes magistrados da arte.

Nos próximos posts apresentarei as controvérsias sobre o texto. Gente que discorda, rebate e bate muito no coitado do Oswald. Por enquanto leiam o Manifesto.

 

MANIFESTO ANTROPÓFAGO

 

 

Só a ANTROPOFAGIA nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.

 

Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos os coletivismos. De todas as religiões. De todos os tratados de paz.

 

Tupi, or not tupi that is the question.

 

Contra todas as catequeses. E contra a mãe dos Gracos.

 

Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago.

 

Estamos fatigados de todos os maridos católicos suspeitos postos em drama. Freud acabou com o enigma mulher e com os sustos da psicologia impressa.

 

O que atropelava a verdade era a roupa, o impermeável entre o mundo interior e o mundo exterior. A reação contra o homem vestido. O cinema americano informará.

 

Filhos do sol, mãe dos viventes. Encontrados e amados ferozmente, com toda a hipocrisia da saudade, pelos imigrados, pelos traficados e pelos touristes. No país da cobra grande (1)

 

Foi porque nunca tivemos gramáticas, nem coleções de velhos vegetais. E nunca soubemos o que era urbano, suburbano, fronteiriço e continental. Preguiçosos no mapa-múndi do Brasil (2)

 

Uma consciência participante, uma rítmica religiosa.

 

Contra todos os importadores de consciência enlatada. A existência palpável da vida. E a mentalidade pré-lógica para o Sr. Lévy-Bruhl estudar.

 

Queremos a Revolução Caraíba. (3) Maior que a revolução Francesa. A unificação de todas as revoltas eficazes na direção do homem. Sem nós a Europa não teria sequer a sua pobre declaração dos direitos do homem.

 

A idade de ouro anunciada pela América. A idade de ouro. E todas as girls.

 

Filiação. O contato com o Brasil Caraíba. Ori Villegaignon print terre. Montaigne. O homem natural. Rosseau. Da Revolução Francesa ao Romantismo, à Revolução Bolchevista, à revolução Surrealista e ao bárbaro tecnizado de Keyserling. Caminhamos.

 

Nunca fomos catequizados. Vivemos através de um direito sonâmbulo. Fizemos Cristo nascer na Bahia. Ou em Belém do Pará.

 

Mas nunca admitimos o nascimento da lógica entre nós.

 

Contra o Padre Vieira (4). Autor do nosso primeiro empréstimo, para ganhar comissão. O rei-analfabeto dissera-lhe: ponha isso no papel mas sem muita lábia. Fez-se o empréstimo. Gravou-se o açúcar brasileiro. Vieira deixou o dinheiro em Portugal e nos trouxe a lábia.

 

O espírito recusa-se a conceber o espírito sem o corpo. O antropomorfismo. Necessidade da vacina antropofágica. Para o equilíbrio contra as religiões de meridiano. E as inquisições exteriores. Só podemos atender ao mundo orecular.

 

Tínhamos a justiça codificação da vingança. A ciência codificação da Magia. Antropofagia. A transformação permanente do Tabu em totem.

 

Contra o mundo reversível e as idéias objetivadas. Cadaverizadas. O stop do pensamento que é dinâmico. O indivíduo vítima do sistema. Fonte das injustiças clássicas. Das injustiças românticas. E o esquecimento das conquistas interiores.

 

Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros.

 

O instinto Caraíba.

 

Morte e vida das hipóteses. Da equação eu parte do Cosmos ao axioma Cosmos parte do eu. Subsistência. Conhecimento. Antropofagia.

 

Contra as elites vegetais (5). Em comunicação com o solo.

 

Nunca fomos catequizados. Fizemos foi o Carnaval. O índio vestido de senador do Império. Fingindo de Pitt. Ou figurando nas óperas de Alencar cheio de bons sentimentos portugueses (6).

 

Já tínhamos o comunismo. Já tínhamos a língua surrealista. A idade de ouro.

 

Catiti Catiti(7)

 

Imara Notiá

 

Notiá Imara

 

Ipeju(8)

 

A magia e a vida. Tínhamos a relação e a distribuição dos bens físicos, dos bens morais, dos bens dignários. E sabíamos transpor o mistério e a morte com o auxílio de algumas formas gramaticais.

 

Perguntei a um homem o que era o Direito. Ele me respondeu que era a garantia do exercício da possibilidade. Esse homem chama-se Galli Mathias. Comi-o.

 

Só não há determinismo onde há o mistério. Mas que temos nós com isso?

 

Contra as histórias do homem que começam no Cabo Finisterra (9). O mundo não datado. Não rubricado.

 

Sem Napoleão. Sem César.

 

A fixação do progresso por meio de catálogos e aparelhos de televisão. Só a maquinaria. E os transfusores de sangue.

 

Contra as sublimações antagônicas. Trazidas nas caravelas.

 

Contra a verdade dos povos missionários, definida pela sagacidade de um antropófago, o Visconde de Cairu (10): – É mentira muitas vezes repetida.

 

Mas não foram cruzados (11) que vieram. Foram fugitivos de uma civilização que estamos comendo, porque somos fortes e vingativos como o Jabuti (12).

 

Se Deus é a consciência do universo Incriado, guaraci(13) é a mãe dos viventes. Jaci(13) é a mãe dos vegetais.

 

Não tivemos especulação. Mas tínhamos adivinhação. Tínhamos Política que é a ciência da distribuição. E um sistema social-planetário.

 

As migrações. A fuga dos estados tediosos. Contra as escleroses urbanas. Contra os Conservatórios e o tédio especulativo.

 

De William James e Voronoff. A transfiguração do Tabu em totem. Antropofagia.

 

O pater famílias e a criação da Moral da Cegonha (14): Ignorância real das coisas + fala (sic.) de imaginação + sentimento de autoridade ante a prole curiosa.

 

É preciso partir de um profundo ateísmo para se chegar à idéia de Deus. Mas a caraíba não precisava. Porque tinha Guaraci.

 

O objetivo criado reage como os Anjos da Queda. Depois Moisés divaga. Que temos nós com isso?

 

Antes dos portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto a felicidade.

 

Contra o índio de tocheiro. O índio filho de Maria (15), afilhado de Catarina de Médicis e genro de D. Antônio de Mariz.

 

A alegria é a prova dos nove (16).

 

No matriarcado de Pindorama (17).

 

Contra a Memória fonte do costume. A experiência pessoal renovada.

 

 

Somos concretistas. As idéias tomam conta, reagem, queimam gente nas praças públicas. Suprimamos as idéias e as outras paralisias. Pelos roteiros. Acreditar nos sinais, acreditar nos instrumentos e nas estrelas.

 

Contra Goethe, a mãe dos Gracos, e a Corte de D. João VI (18).

 

A alegria é a prova dos nove.

 

A luta entre o que se chamaria Incriado e a Criatura – ilustrada pela contradição permanente do homem e o seu Tabu. O amor cotidiano e o modusvivendi capitalista. Antropofagia. Absorção do inimigo sacro. Para transformá-lo em

totem. A humana aventura. A terrena finalidade. Porém, só as puras elites conseguiram realizar a antropofagia carnal, que traz em si o mais alto sentido da vida e evita todos os males identificados por Freud, males catequistas. O que se

dá não é uma sublimação do instinto sexual. É a escala termométrica do instinto antropofágico. De carnal, ele se torna eletivo e cria a amizade. Afetivo, o amor. Especulativo, a ciência. Desvia-se e transfere-se. Chegamos ao aviltamento. A

baixa antropofagia aglomerada nos pecados de catecismo – a inveja, a usura, a calúnia, o assassinato. Peste dos chamados povos cultos e cristianizados, é contra ela que estamos agindo. Antropófagos.

 

Contra Anchieta (19) cantando as onze mil virgens do céu, na terra de Iracema (20), – o patriarca João Ramalho fundador de São Paulo.

 

A nossa independência ainda não foi proclamada. Frase típica de D. João VI: – Meu filho, põe essa coroa na tua cabeça, antes que algum aventureiro o faça (21)! Expulsamos a dinastia. É preciso expulsar o espírito bragantino, as ordenações e o rapé de Maria da Fonte (22).

 

Contra a realidade social, vestida e opressora, cadastrada por Freud – a realidade sem complexos, sem loucura, sem prostituições e sem penitenciárias do matriarcado(23) de Pindorama.

 

Oswald de Andrade

 

Em Piratininga(24)

 

Ano 374 da Deglutição do Bispo Sardinha(25)

 

(Revista de Antropofagia, Ano I, No. I, maio de 1928.)

 

 

(1) Selva amazônica; na mitologia indígena da amazônia, “cobra grande” é o espírito das águas. Esta entidade foi motivo de um longo poema antropófago, Cobra Norato (1931), de Raul Bopp (1898/1984), que, ao lado de Macunaíma (1928), de Mário de Andrade  (1893/1945), compõe exemplos da antropofagia oswaldiana.

 

(2) Referência à extensão continental do país e à necessidade de resolver os problemas lingüísticos no Brasil, se pautava pela tradição lusitana, ignorando as especificidades do país. Retomada, sob outro ângulo, da grande polêmica por José de Alencar (1829 / 1877), na vigência do Romantismo brasileiro no século XIX.

 

(3) Oswald idealiza a união dos indígenas através do vocábulo caraíba, que designa tanto uma das comunidades indígenas com as quais os primeiros portugueses tomaram contato à época do Descobrimento do país, que viviam mais ao norte, quanto uma grande família lingüística a que pertenciam várias tribos brasileiras mais ao sul.

 

(4) Antônio Vieira (1608/1697), lisboeta de nascimento, fez seus estudos com os jesuítas na Bahia, ordenando-se aos 26 anos. Tinha idéias avançadas para sua época e devido a elas foi inúmeras vezes criticado. Oswald de Andrade refere-se, aqui, à investida políticoeconômica na exploração do açúcar maranhense, à época do período colonial, o que beneficiou apenas a metrópole portuguesa, deixando em franca miséria a então colônia.

 

 

(5) Referência à elite intelectual que busca copiar os modelos europeus, em exclusão do sentimento de “brasilidade”. Neste sentido, os vegetais são entendidos como seres vivos sem mobilidade, o que equivale a dizer sem a capacidade crítica que fomenta as mudanças.

 

 

(6) Junção, numa única referência, da produção romanesca indianista de José Martiniano de Alencar (1829/1877), escritor romântico brasileiro de reconhecido valor, com a ópera O guarani, do músico também romântico Antônio Carlos Gomes (1836/1896), cujo libreto foi escrito a partir do romance homônimo de Alencar. Em ambos textos o herói indígena, Peri, tem atitudes cavalheirescas em consonância aos grandes senhores portugueses.

 

(7) Catiti catiti/ Imara Notiá / Notiá Imara / Ipeju: pequeno “poema” em língua indígena, a qual, pelo apelo sonoro e lúdico, é aproximada da estética surrealista. Couto Magalhães traduziu por: Lua nova, ó Lua Nova! Assoprai em lembranças de mim; eis-me aqui, estou em vossa presença; fazei com que eu tão somente ocupe seu coração.

 

(8)  “Lua Nova, ó Lua Nova, assopra em Fulano lembranças de mim”, in O Selvagem, de Couto Magalhães.

 

 

(9) Referência ao ciclo das grandes descobertas ultramarinas portuguesas iniciadas em 1421, sob o comando do infante Dom Henrique, filho de Dom João I, que, para o Reino de Portugal, culminou com a Descoberta do Brasil em 1500; o acidente geográfico mencionado por Oswald é a conhecida Ponta de Sagres, ou seja, um cabo formado por rochas elevadas, lugar ermo e de beleza trágica de onde teriam partido as primeiras expedições oceânicas portuguesas, ou seja, a expansão do homem europeu; na realidade, estas expedições sob o comando do infante Dom Henrique partiram da Vila de Lagos, localizada a cerca de 30 km a leste da Ponta de Sagres, na região do Algarve.

 

(10) José da Silva Lisboa, economista do início do século XIX que, tendo adotado a política liberal do Marquês de Pombal, posicionou-se contrário à permanência jesuíta no Brasil.

 

(11) Moeda portuguesa feita de ouro ou prata.

 

(12) Réptil da ordem dos quelônios e da família das tartarugas; habitante das matas brasileiras, nas religiões indígenas representa a perseverança e a força.

 

(13) Guaraci e Jaci: entidades divinas indígenas que representam o sol e a lua, respectivamente. São os dois princípios que governam o mundo.

 

(14) Oswald refere-se à repressão sexual das crianças, as quais eram doutrinadas no sentido da inexistência de vida sexual na procriação; à cegonha era atribuída a função de entregar os bebês aos seus pais.

 

(15)  Índio filho de Maria, afilhado de Catarina de Médicis e genro de D. Antônio de Mariz: por alusão a personagens extraídos de obras indianistas, Oswald propõe o repúdio ao aculturamento dos índios pela civilização branca cristã e ocidental.

 

(16) Elaboração matemática para comprovar o resultado de operações aritméticas elementares.

 

 

(17) Em tupi, terra de palmeiras; designa, por extensão, o Brasil, cuja costa litorânea era coberta pela planta; a palmeira, desde o poema canção do exílio, do poeta romântico Gonçalves Dias (1823/1864), transformou-se em um dos ícones do país.

 

(18) Rei de Portugal, que veio para o Brasil-colônia em 1808 com todo seu séquito, fugindo do avanço napoleônico na Europa. Oswald faz referência à usura desmedida dos cortesãos.

 

(19) José de Anchieta (1534/1597), padre jesuíta que veio para o Brasil no início da colonização portuguesa e que, a pretexto de catequizar os índios, criou um sistema de desculturação pela arte teatral.

 

(20) Anagrama de América, é também o nome da índia protagonista do romance homônimo de José de Alencar (1829/1877) que, junto com O guarani, se transformou em emblema de brasilidade durante a vigência do romantismo no país.

 

(21) Oswald menciona, de forma irônica e jocosa, o ato da Independência do Brasil, ocorrida em 7 de setembro de 1822, protagonizada pelo primogênito do então rei de Portugal. O príncipe português governou até 1831 e ficou conhecido como Dom Pedro I, o primeiro Imperador do Brasil.

 

(22) Camponesa portuguesa que liderou uma rebelião, em 1846, contra as opressões político-econômicas de D. Maria da Glória, então rainha de Portugal. Pleiteava, entre outras coisas, a colocação de produtos agrícolas portugueses no mercado interno que estava, na época, dominado por produtos ingleses.

 

(23) Oswald fala no matriarcado numa referência à libertação do sujeito, em oposição ao patriarcado, este sim, governado por instituições de poder amplamente castradoras e cheias de interditos.

 

(24) Em língua indígena, nome da região onde surgiu a futura cidade de São Paulo.

 

(25) Oswald busca uma marcação temporal para a existência brasileira, que no Manifesto começa com o primeiro ato antropófago conhecido oficialmente; o Bispo Sardinha, isto é, Pero Fernandes (?/1556), naufragou no litoral do nordeste brasileiro e morreu como  vítima sacrificial dos índios caetés. Oswald equivocou-se nas datas, acrescentando 2 anos ao tempo decorrido entre a morte do Bispo Sardinha e o ano de publicação do Manifesto Antropófago. Entretanto, Oswald parece desconhecer as cartas de Américo Vespúcio, em uma das quais o aventureiro florentino afirma ter assistido um ritual antropofágico em 1501, na Praia dos Marcos, no Rio Grande do Norte, em que a vítima era um europeu.

 

ANDRADE, Oswald de. O manifesto antropófago. In: TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda européia e modernismo brasileiro: apresentação e crítica dos principais manifestos vanguardistas. 3ª ed. Petrópolis: Vozes; Brasília: INL, 1976.
Comentário e hipertextos: Raquel R. Souza (FURG)

A Indústria Cultural é um Artefato.

Postado por: em jun 6, 2013 | 3 comentários

A indústria cultural é um artefato construído pelo mercado, onde o artista e sua obra são subordinados a certas determinações da esfera econômica para, então, ver definido identidade e alcance do seu fazer artístico. Isso pode ser trágico! É por isso que o compositor, por exemplo, deve conhecer não apenas sobre como construir uma boa música, mas, também, sobre como o mercado se comporta. Distinguir música de mercado é muito importante na hora de falar sobre identidade artística – assunto já manjado – mas não pode ficar só nisso; deve-se saber alguma coisa sobre “nicho”, “público alvo”, “circuito cultural”, “comunicação”, “prateleiras”. Logo o artista informado vai perceber algo curioso: assim como o compositor determina se toca uma sétima maior naquele acorde ou não, o mercado tem o poder de alterar o artefato “indústria cultural” fazendo-lhe receber ou perder elementos que julga fundamentais para sua continuação.

 

Palavrantiga, Tanlan e Lorena Chaves nas prateleiras do rock nacional e mpb é fruto de uma alteração consciente e articulada por esses artistas que descobriram outro fundamento para determinar identidade. Quando torna-se inadiável a constatação de que devemos classificar música musicalmente e que a confissão religiosa do autor não é fator estético válido para designarmos um estilo, consequentemente aparece um novo desafio: o que fazer com as classificações adotadas pela indústria fonográfica até o momento? Outra questão: como fica o repertório do samba e da mpb que depois dos anos 1960 adotou o panteão afro-religioso como discurso escrachado e nos fez acreditar que isso é “cultura brasileira”?  Construções, desconstruções… Um pensamento que nos leva a agir dentro da indústria cultural com ferramentas de diálogo antes desconhecidas.

Com todo respeito aos donos de gravadora, contratantes, presidentes de emissora de TV, rádios, revistas, jornais, blogs e qualquer outro tipo de veículo de comunicação, vocês precisam chamar os artistas para um cafezinho. Certamente, vocês vão se surpreender com a capacidade do papo transpor as fronteiras estéticas e chegar no campo antes dominado por executivos. Esse diálogo tornará nossa indústria cultural ainda mais rica em todos os sentidos.

 

Marcos Almeida

 

Teoria do Eu / Miguel Sanches Neto

Teoria do Eu / Miguel Sanches Neto

Postado por: em maio 20, 2013 | 1 comentário

 

Por Miguel Sanches Neto | Para o Valor Econômico. Gentilmente liberado pelo autor para ser lido aqui no Nossa Brasilidade.

 

Em uma conversa recente com Luiz Antonio de Assis Brasil, romancista que atua como professor em oficinas de escrita criativa em Porto Alegre, ele me disse que o mais difícil é fazer os alunos escreverem em terceira pessoa. Fiquei pensando nos motivos que levaram a essa hegemonia da primeira pessoa e no que isso representa para a ficção atual.

As dez mais belas e santas canções do nosso hinário popular.

Postado por: em maio 18, 2013 | 11 comentários

 

A certeza que me conduz nesta fascinante pesquisa dentro do repertório popular, é de que a espiritualidade cristã afetou (sim) o modo de ver o mundo de muitos compositores daqui. É no cancioneiro das ruas que busco a confissão explícita e a arte analógica. Aquela que ‘explica’, essa que aponta.