A DELICIOSA ANTÍTESE APOCALÍPTICA DE TOM ZÉ

Postado por: em fev 12, 2014 | 2 comentários

 

Na herança cristã, o livro do Apocalipse é bastante controvertido. Desde as discussões iniciais sobre se deveria ou não ser incluído no cânon do Novo Testamento, até sua comparação com os outros textos de literatura apocalíptica, através de vinte séculos de história ele tem tido as mais diversas interpretações. Nas idades moderna e contemporânea, no entanto, as conclusões sobre ele têm sido as mais mirabolantes. De um livro escrito para encorajar os cristãos sob intensa perseguição romana, um texto cujo tema central era a esperança, o Apocalipse passou a ser sinônimo de catástrofe e de destruição, de escapismo e de alienação.

Aí vêm os nossos amigos poetas da MPB, pra nos ajudar a resgatar valores que nos são tão caros e que incluem a felicidade vindoura e a esperança escatológica, como no caso da linda canção do Tom Zé, Menina Amanhã de Manhã, que afirma categoricamente que a felicidade irá desabar sobre os homens, em contraste agudo com a morte e a destruição prenunciadas pelo texto sagrado e que desabam sobre a humanidade. E mais, a felicidade como um bem inexorável, inevitável, quase que imposto à vida, do qual ninguém pode (nem gostaria de) escapar. E terminando com um convite sutil: “não queira dormir no ponto”. A felicidade está à mão. Não deixe que ela vá embora, menina.

Pra não terminar sem fazer justiça ao Apocalipse, o contraste entre a canção e o livro não é tão gritante assim: apesar de falar sobre destruição e morte, o livro termina falando de vida, de paz duradoura, de cura para as nações, de felicidade enfim.

 

 

Menina amanhã de manhã
Quando a gente acordar
Quero te dizer que a felicidade vai
Desabar sobre os homens, vai
Desabar sobre os homens, vai
Desabar sobre os homens

Na hora ninguém escapa
Debaixo da cama, ninguém se esconde
A felicidade vai
Desabar sobre os homens, vai
Desabar sobre os homens, vai
Desabar sobre os homens

Menina, ela mete medo
Menina ela fecha a roda
Menina não tem saída
De cima, de banda ou de lado
Menina olhe pra frente
Oh! Menina, tome cuidado
Não queira dormir no ponto
Segure o jogo, atenção
De manhã…

por Jorge Camargo

Ouça abaixo a gravação original feita por Tom Zé no genial “Estudando o Samba” de 1976.

Jorge Camargo é músico, professor, tradutor (juramentado, em inglês), intérprete de conferências e escritor. Mestre em Ciências da Religião pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, de São Paulo. É também sócio-proprietário da empresa Quase a Mesma Coisa, dedicada a tradução e interpretação, em diversos idiomas.

Tem mais de 30 anos de experiência musical, como compositor e intérprete. Pesquisa a presença, a influência e a importância do sagrado na música popular brasileira e as interfaces entre a arte, a cultura, a filosofia e a religião.

A última entrevista de Vinícius de Moraes

A última entrevista de Vinícius de Moraes

Postado por: em jan 14, 2014 | 5 comentários

O poeta e compositor morreu alguns meses depois de ter concedido a entrevista ao jornalista Narceu de Almeida Filho, em 1979

Quando o jornalista Narceu de Almeida Filho bateu este longo papo com Vinícius de Moraes, em sua casa, bem situada numa tranquila rua da Gávea, no Rio de Janeiro, não poderia imaginar que, no momento da edição da entrevista, o Poetinha já não existisse mais. Vinícius estava todo animado, layout novo, de cabelos cortados, barba raspada, vestido elegantemente e sem o seu famoso boné que o acompanhou durante muitos anos. Havia emagrecido vários quilos e abandonado temporariamente as excursões musicais para dedicar-se, novamente, à poesia. Poeta do amor, Vinícius estava ainda em lua-de-mel com sua mulher, Gilda, a quem conheceu na Europa, onde ela estudava. Entre pilhas de livros, discos, um violão, dois conjuntos de som e objetos de arte, ele falava de seu objetivo maior no momento — “fazer feliz essa moça” — e olhava, apaixonadamente, para a mulher sentada ao seu lado. A entrevista foi publicada no livro “As Entrevistas de Ele Ela”, editora Bloch.

Vinícius, você andou meio desaparecido, ultimamente, viajando muito. Como você está agora?
Eu estou bem, de um modo geral. Tenho uns problemas de dieta, para regularizar o metabolismo do meu açúcar, que é um pouco alto. Agora vou tirar umas férias e passar um mês em Punta del Este, dar uma descansada e terminar meus livros de poesia, que estão parados há quatro anos por causa desse negócio de shows. Foram quatro anos de pauleira o tempo todo, muita viagem, principalmente no Brasil e na Argentina, mas também na Europa. No ano retrasado estivemos na Itália e de novo no Olympia, em Paris. Agora fizemos mais ou menos o mesmo roteiro e incluímos Londres, onde eu não havia trabalhado ainda. Para mim foi uma surpresa muito boa, porque o show teve bastante sucesso. Do ponto de vista profissional, o ano foi ótimo, ainda que tenha me deixado um pouco de língua de fora… Mas tudo bem.

E agora você entra em férias para trabalhar?
É, férias para ver se escrevo um pouco. Esses livros estão realmente muito atrasados.

Quais os livros?
São dois livros. Um deles é o que venho escrevendo sobre o Rio de Janeiro. Há uns 25 anos que trabalho nesse livro. O outro são os poemas escritos de 1960 para cá, porque nesse tempo todo eu não publiquei nada de poesia, a não ser algumas edições especiais que fiz na Bahia, na editora do Calazans Neto. Uma delas é a “História Natural de Pablo Neruda”, que fiz quando ele morreu. Agora vou reunir esses poemas escritos a partir de 1960 e completar o livro, que tem um título meio contabilístico — “O Dever e o Haver”. É uma prestação geral de contas, do que foi feito, do que deixou de ser feito.

Esses dois livros que você vai publicar serão, em termos de poesia, a sua palavra final?
Eu considero esses dois livros uma espécie de limpeza geral da casa, sabe. Depois disso, se ainda tiver alguma coisa a dizer, terá de ser uma coisa realmente nova. Do contrário, eu paro de escrever. Para mim não é mais fundamental escrever. O que foi dito foi dito, e é, digamos, o meu recado de poeta. Não sei se terei algo de importante a dizer. E, se não tiver, prefiro não dizer. Escrever por escrever, simplesmente, é uma coisa que não farei em hipótese alguma.

Você tem algum método de trabalho permanente, periódico, ou escreve somente quando baixa a inspiração?
É, eu escrevo somente quando a coisa vem. Teve uma época da mocidade, até aí pelos 30 anos, em que eu escrevia muito, tinha necessidade, aquela compulsão de pegar o papel e sentar para escrever. Até os 40 anos foi mais ou menos assim. Depois começou a escassear, a rarear. E veio o período de música popular, que foi muito importante para mim.

Você ficou famoso como poeta muito cedo, antes dos 20 anos, não foi?
Muito cedo. Meu primeiro livro, “O Caminho Para a Distância”, teve uma ótima crítica. Eu tinha 19 anos quando o publiquei. Com 22 anos ganhei o Prêmio Nacional de Poesia — chamava-se Felipe de Oliveira e premiava todas as artes literárias. Ganhei uma disputa com o Jorge Amado, e por um focinho apenas de frente.

O fato de ter ficado famoso muito cedo foi bom ou ruim para você?
Para mim não foi muito legal, não, sabe. Me deu uma certa soberba, eu achava que era um poeta genial, essas coisas. Mas depois, uns dois ou três críticos me puseram no meu lugar, direitinho. Um deles foi o João Ribeiro, com relação a esse primeiro livro. Ele fez uma crítica muito boa, mas também muito severa, como quem diz: “Olha, menino, trabalhe mais com o verso livre, os seus sonetos não são muito bons”. Outro foi o Manuel Bandeira, que fez uma crítica bastante severa. Finalmente, quando ganhei o Felipe de Oliveira, o Otávio Tarquínio de Sousa escreveu também um rodapé muito bom, me colocando em minha devida posição. O Mário de Andrade, igualmente, me deu umas podadas muito bem dadas. Isso tudo me ajudou muito.

Na época você recebeu bem essas críticas?
Não recebi muito bem, não. Recebi mal, sabe. Porque, além do mais, havia todo o grupo do Otávio de Farias que me incensava. Para eles, era assim como se eu fosse o poeta que todo mundo esperava. Era o grupo da faculdade de Direito. Essas coisas me subiram um pouco à cabeça. Mas com aquelas críticas, a própria vida, a experiência com o conhecimento maior dessas pessoas, aí eu comecei a me situar. Processou-se também uma evolução política muito grande. Eu tinha sido formado para ser um intelectual de direita. Mas em 1942 aconteceu uma coisa muito importante em minha vida, que foi a vinda ao Brasil do escritor americano Waldo Frank. O José Olympio ofereceu um coquetel a ele e todos os escritores compareceram. Começamos a conversar e, lá pelas tantas, ele me confessou que achava coquetel de intelectuais uma coisa chatíssima e perguntou se não podíamos sair por aí. Saímos, era dia de São Jorge e eu levei o Waldo para ver as putas do Mangue. Havia um delírio lá, ele ficou impressionadíssimo. Aliás, a origem da minha “Balada do Mangue” foi esse dia. Depois eu o levei à favela do Pinto, aquela que havia no Leblon. Hoje eu não faria mais uma coisa dessas, não há condições. Mas foi tudo bem, ficamos lá numa tendinha, pagamos umas cervejas para os crioulos e eles tocaram para nós. Ele achou tudo ótimo, queria mesmo era ver esses ambientes e fugir das cerimônias oficiais. Daqui ele foi para a Argentina, acabou se envolvendo em política lá — era um socialista, mas com uma grande dose de filosofia hindu, bastante maluco. Era um judeu, muito amigo do Hemingway e do Chaplin. Na Argentina, um grupo de fascistas aplicou-lhe uma tremenda surra e ele ficou três meses no hospital. Depois, voltou ao Brasil e pediu ao Oswaldo Aranha, o chanceler da época, que eu fosse indicado para acompanhá-lo na viagem que faria pelo interior do país. Eu ainda não era do Itamaraty, mas o Aranha sabia que eu ia fazer o concurso para ingressar na carreira diplomática e me designou para ciceronear o Waldo. Para mim, a viagem foi maravilhosa, escutei histórias fantásticas dele, inclusive a de quando foi martirizado pela Ku Klux Klan. Foi a primeira vez que andei armado em minha vida, porque chegou a notícia de que uns tiras argentinos tinham vindo matá-lo no Brasil.

Até essa época você era bastante católico e místico, não?
Não era tão católico, não, mas era um cara muito mistificado, não só pela formação, mas também pelo grupo que orientava, sobretudo o Otávio de Faria. Eram todos caras de direita, muitos haviam aderido ao integralismo. Não sei como consegui me safar disso. Acho que foi meu lado de moleque de praia que reagiu na hora certa. Mas essa viagem com o Waldo Frank representou para mim, em um mês, uma virada. Saí um homem de direita e voltei um homem de esquerda. Foi o fato de ter visto a realidade brasileira, principalmente o Nordeste e o Norte, aquela miséria espantosa, os mocambos do Recife, as casas de habitação coletiva na Bahia, o sertão pernambucano, Manaus. A barra me pesou mesmo.

Essa virada se manifestou em sua obra?
Logo em seguida, porque aí eu já tivera também a experiência inglesa. No Brasil, pouca gente havia tido essa experiência com exceção de Gilberto Freyre, que também estudou em Oxford. Para mim, a leitura dos poetas ingleses foi muito importante, especialmente no sentido de certa simplificação e desmistificação e todo aquele arcabouço aristocrático, metafísico. Veio tudo por água abaixo.

E quando você começou a fazer música?
A música começou mesmo na década de 1950, quando voltei de meu primeiro posto diplomático no exterior, em Los Angeles. Agora, eu sempre fazia minhas músicas, antes, mesmo sozinho, mas sem nenhum intuito de editar ou ver cantar. Aos 15 anos tive uma experiência interessante: eu me liguei a uma dupla vocal que havia aqui, chamada Irmãos Tapajós, e comecei a compor com eles. Fizemos várias músicas, das quais duas tiveram muito sucesso. Uma era um foxtrote brasileiro, chamado “Loura ou morena” (que foi regravado há uns 10 anos), e a outra era uma “berceuse”, “Canção da amante”. Foi o primeiro dinheiro que ganhei em minha vida, produzido por essas músicas.

Quando você foi exonerado do Itamarati, em 1968, houve alguma alegação específica?
O Otto (Lara Resende) sabe de uma história muito engraçada que aconteceu: quando o decreto veio de Brasília, assinado pelo presidente Costa e Silva, o despacho dizia: “Ponha-se esse vagabundo para trabalhar”. Aí, dizem que o Magalhães Pinto botou a mão na cabeça e chamou o Otto imediatamente, comentando: “Ih, isso vai dar um barulho dos diabos. Escreve um arrazoado aí para mandarmos para Brasília”. O Otto escreveu e, por isso, o despacho não se tornou público. Mas a exoneração veio de qualquer maneira. O que para mim foi ótimo, porque eu já não aguentava mais aquilo, mas tinha um problema moral devido aos filhos, pois com 24 anos de carreira eu estava mais ou menos próximo da aposentadoria. Tinha certo medo de jogar aquilo tudo pra o alto. Mas quando me livraram desse problema moral, fiquei muito satisfeito.

Voltando à música: você teve parcerias históricas. Por que lá pelas tantas, a parceria acaba?
É como um casamento, sabe. É parecido. Acho que há um desgaste. Além disso, no tempo da bossa-nova, por exemplo, havia milhares de compositores fazendo música, e apenas uns poucos letristas. De maneira que eu não chegava para as encomendas: era o Tom, o Baden Powell, o Carlinhos Lyra. Depois, na geração 1963, pintaram o Edu Lobo, o Francis Hime. Tanto assim que eu sou um dos pouquíssimos compositores brasileiros que atravessou essas gerações todas. Eu fiz música com o Pixinguinha, o Ary Barroso, com o pessoal da geração do Antônio Maria, o Paulinho Soledade; depois peguei o Tom, o Baden, o Carlos Lyra, o Edu, o Francis e, em 1969, o Toquinho. E mesmo com caras mais jovens que o Toquinho eu já fiz música, como o Eduardo Souto Neto, o João Bosco.

Com quais parceiros você acha que houve mais criatividade?
Com o Tom, sobretudo, mas também como o Carlinhos Lyra e o Baden. O Baden tem uma produção muito boa, e foi ele quem me introduziu o elemento africano, o que não havia antes na bossa-nova — eram todos brancos, arianos.

O que você acha das críticas que o Tinhorão faz à bossa-nova?
Aquilo é burrice total do Tinhorão. É o negócio dos guarda-costas do samba. Como existe também, aliás nos Estados Unidos, com relação ao jazz. Lá tem cara que acha que a música só é jazz se for tocada com aquelas cornetas dos confederados. Se não for, não é puro. E tem que ter também a tábua de lavar roupas (washboard) verdadeiras, para marcar o ritmo. É muito sectarismo. Embora seja um excelente pesquisador, o Tinhorão tem esse lado insuportável.

Você acha que a influência do jazz foi boa para a bossa-nova?
Acho que foi uma influência muito boa. No samba tradicional, os instrumentistas não improvisavam, em geral as harmonias eram rígidas, as formações eram standard. Com a influência do jazz, abriu tudo isso, você podia introduzir qualquer instrumento num conjunto de samba, os instrumentistas improvisavam, as harmonias melhoraram muito e se enriqueceram, os instrumentistas tornaram-se excelentes e conheciam profundamente seus instrumentos, como é o caso de Baden e Tom. A influência foi benéfica porque houve uma descaracterização de nossa música. O samba estava sempre presente na bossa-nova. Além disso, a bossa-nova trouxe mais alegria e bom humor à nossa música, que andava muito voltada para a tristeza, a dor de corno, a fossa, naquela época do Antônio Maria. Com a bossa-nova a coisa ficou mais sadia, mais otimista, os sentimentos eram mais de comunicação, mais legais.

Depois da bossa-nova, o que houve de mais importante na música popular brasileira, em sua opinião?
Da chamada geração de 1963, tivemos dois nomes importantes, que são o Francis Hime e o Edu Lobo, o primeiro mais urbano, o segundo pesquisando coisas de Pernambuco. Depois veio o Milton Nascimento, pesquisando a toada mineira. O que se perdeu foi aquela organicidade que havia no movimento da bossa-nova.

E os baianos, Caetano e Gil?
Os baianos já são outro esquema, um negócio mais próximo da geração dos Beatles. Eles quiseram misturar esse troço todo, fizeram o tropicalismo, rock e samba. Acho que os dois são compositores muito bons. Talvez eu goste mais das coisas iniciais deles, embora ache que até hoje continuam a fazer bons trabalhos.

E o Chico Buarque?
O Chico eu acho fora de série, realmente. Esse tem aquela estrela, um talento que não pode ter mais tamanho. E o Chico é bom de letra, é bom de música, sabe cantar. Tem tudo, o cara. São uns poucos casos isolados que existem na música brasileira — um Noel, um Caymmi, um Chico, que se distinguem muito.

O que você acha desse debate que tem havido atualmente nos meios artísticos brasileiros, com a cobrança de definições políticas por parte de artistas pelas chamadas patrulhas ideológicas?
São pequenas desavenças ideológicas para as quais eu não dou a menor importância. Acho uma burrice o artista ser engajado politicamente e fazer uma música ruim — isso não tem o menor valor. O que adianta você ser o maior comuna e fazer sambas ruins? Aí eu acho que seria preferível ser alienado e fazer música boa. Acho que o engajamento político o cara só deve ter quando aquilo é tão importante para ele que passa a ser sua própria razão de existir, ele não pode viver fora daquilo. É um compromisso que assume consigo mesmo e com a sociedade, e ponto. Eu tenho um envolvimento político bastante grande, mas nunca o expressei em minha poesia, exceto quando surgiu como uma coisa válida, como em “Operário em construção”, “Os barões da terra” e “Mensagem à poesia”. Mas são bons poemas. Eu fiz também muita coisa política que era uma merda e joguei fora.

Como foi seu encontro com Deus e depois seu desencontro, seu desencanto?
Bom, o encontro foi normal: família católica, colégio de padres, aquele negócio de confessar aos domingos, de comungar. Mas acho que a vocação para o pecado era maior. As confissões eram sempre as mesmas: “Bati três esta semana, bati quatro”. Os castigos também eram os mesmos, de modo que aquilo acabou me cansando, me aporrinhando. Mas eu me meti a católico porque toda aquela fase de direita era muito ligada ao problema de Deus, principalmente por causa da influência do Otávio de Faria. Ele era aquele cristão dramático, lia muito Pascal, Claudel, os filósofos sofredores, me deu os primeiros livros para ler. Até hoje eu tenho uma grande admiração e estima por ele, embora as divergências ocorridas fossem graves demais para permitir que mantivéssemos um relacionamento estável. Mas gosto muito dele, quero um grande bem a ele. Depois a vida foi em frente, me liguei muito ao Bandeira, Dru­mmond, Pedro Nava e outros, que tinham uma consciência cristã, mas não levavam aquilo como um cartaz na testa. Alguns eram francamente agnósticos. De toda essa mistura nasceu um desencanto, um desinteresse que acabou sendo total. Eu não acreditava mais.

Hoje você não tem mais qualquer preocupação com o problema de Deus ou de religião?
Num plano assim de vida, não. Restou talvez certa religiosidade, própria de meu temperamento. Por exemplo, eu me interesso por candomblé, certas superstições. Isso é sinal de que tem algum fogo na cinza. Mas aqui, na cuca, não tenho mais grandes indagações. Ao mesmo tempo, me recuso a elas um pouco. Não me interesso mais por coisas que não sei explicar.

Você andou muito metido com candomblé na Bahia. Você acredita mesmo nisso?
Eu prefiro acreditar do que não acreditar, mas realmente não acredito. Quando penso de modo puramente cerebral, não acredito. Deixei também de fazer aquele gênero de indagações, olhar para o céu e perguntar: “Onde está Deus? Afinal alguém fez esta merda toda, não foi?” Mas jamais vou ter respostas a essas perguntas, a não ser talvez depois da morte. Mas também não sei o que há do outro lado, de modo que não penso mais nessas coisas. Além disso, à medida que fui perdendo a religiosidade e o misticismo, o ser humano cresceu muito em mim, tomou conta de tudo. O que me interessa hoje é gente.

E a morte?
Bem, a morte sempre me preocupou, e ainda me preocupa. Mas hoje, de uma maneira muito mais simples, como uma espécie de saudade da vida, uma pena de deixar isso aqui com todas as cagadas e confusões, porque sempre vivi dentro de uma grande plenitude. Sobretudo por causa das mulheres: tenho muita pena de deixá-las. Sei que a velhice pode ser uma coisa legal, mas não gosto da ideia de envelhecer porque perderia tudo o que as mulheres ainda podem me dar.

Você nunca conseguiu, ou quis, viver sozinho, não?
Não. Eu aceito a solidão bem, mas não por muito tempo. Realmente, para mim, a mulher é um ser indispensável. Não posso viver sem mulher. Houve uma época de minha vida que achei que esse negócio havia terminado, que as coisas não estavam dando certo, que talvez fosse melhor eu me isolar e parar de brincar com esse bicho tão perigoso. Mas não deu. Não deu mesmo. Eu sou um namorador inveterado.

Você vê muita diferença entre o Vinícius dos 18 anos e o Vinícius de hoje?
Não vejo muita diferença entre os meus sonhos de ontem e de hoje, entre certa parte lúdica que sempre tive, sempre em fermentação. Acho que hoje eu sonho mais do que sonhava antigamente. Quer dizer, a viagem é permanente, não é uma coisa de um dia ou um momento, com paradas e fases de descrença. Não sou de ter fases de descrença.

Você está satisfeito consigo mesmo?
Bem, eu gostaria de mudar algumas coisas de mim, mas de um modo geral não sou um sujeito de jogar fora. Tenho uma estima por mim bastante grande, sabe. Uma estima que vem da constatação das coisas que fiz, das pessoas que eu amei, dos amigos que tive e tenho. Considero tudo conquistas consideráveis, no cômputo geral. Às vezes tenho a imodéstia de dizer a mim mesmo: “Você vale a pena”. Isso sem nenhum sentimento de vaidade. Não tenho qualquer preocupação com a glória literária. Se tivesse essa preocupação, eu trataria muito melhor das minhas coisas. A publicação de antologia dos meus poemas pela Aguilar (editora) foi um dos partos mais difíceis e demorados que já houve, tudo por despreocupação minha. Hoje em dia tenho uma preguiça enorme de trabalhar, escrever.

Você se tornou mais exigente?
Muitíssimo mais exigente. Hoje eu leio muito pouco, porque a maioria das coisas publicadas me parece ruim. Atualmente, quando encontro um escritor que me interessa, para mim é uma festa. Mas, em geral, mal consigo passar das primeiras quatro ou cinco páginas.

Qual era a visão que você tinha do Brasil quando começou a fazer poesia?
Eu achava o Brasil um país ideal, realmente, e essa visão durou até lá pelos meus 40 anos. O primeiro choque que o Brasil me provocou foi quando voltei dos Estados Unidos, em 1951, e vi aqueles bares americanos que começavam a proliferar, o bar vermelhinho desaparecendo, as pessoas comendo em pé nas lanchonetes, a penetração do estilo de vida americano.

E hoje, como você vê o Brasil?
Eu digo sempre uma coisa: tenho uma grande fé no Brasil. Uma fé meio estúpida, meio instintiva, por causa do povo. Realmente, a minha fé no Brasil não vem das instituições, nada disso. Pelo contrário, acho que elas têm sido extremamente negativas para o país. Agora, eu acredito neste povo. E cada vez que eu volto ao Brasil, de alguma viagem ao exterior, essa crença aumenta, compreende. E como essa crença é um bem gratuito, eu prefiro tê-la a não tê-la.

Que tipo de sociedade você gostaria que houvesse no Brasil?
Acho que uma volta a uma democracia relativa já seria muito bom! O povo ter liberdade — isso me parece fundamental. Quer dizer, ver as pessoas felizes, contentes, com as caras alegres, sem angústia. E, sobretudo, haver a realização, ou pelo menos um arremedo de realização, de uma organização social mais justa, com uma melhor distribuição da riqueza, uma reforma agrária legal. Isso eu gostaria de ver: os problemas sociais mais graves resolvidos ou, no mínimo, colocados num bom caminho. Isso já me daria um pouco de paz, de calma, de uma tranquilidade bastante maior do que aquela que eu tenho hoje. Eu não consigo me destacar do problema humano.

Já falamos de seus casamentos com parceiros musicais. E com os seus casamentos de verdade, quantos foram?
Estou agora no meu nono casamento.

Há quanto tempo?
Há três meses. A Gilda vivia na Europa, era estudante lá. É uma moça ótima, maravilhosa. Eu tinha saído de um casamento também muito bom, muito feliz, com aquela moça argentina, a Martinha. Mas ela estudava na Argentina, o que nos obrigava a viver numa verdadeira ponte aérea. Não deu para continuar.

Você diria que suas mulheres influenciaram sua obra?
Bom, todas foram premiadas, né. Todas ganharam poemas, canções, uma coisa ou outra.

Houve alguma que tivesse exercido uma influência maior sobre o nível de seu trabalho?
Nesse sentido, acho que a influência maior foi a Tati, minha primeira mulher. Quando me casei com ela, eu estava começando a me desgrudar de minhas influências direitistas. Havia ainda muita confusão mental em mim, muita influência da minha formação, muito colégio. E a Tati já era uma pessoa bastante progressista. Mas, no começo, ainda quebrávamos um pau firme em discussões políticas. Depois, o relacionamento melhorou em todos os sentidos, inclusive no político, porque houve também aquela minha viagem pelo Brasil.

Seu casamento mais longo durou quanto tempo?
Onze anos. Foi exatamente esse, o primeiro, com a Tati.

E o mais curto?
O mais curto durou um ano.

Você mantém boas relações de amizade com as ex-mulheres, ou é do gênero que rompe relações?
Com a maioria, mantenho boas relações; mas não com todas. O relacionamento foi pior com as que engrossaram durante a separação, especialmente com duas que engrossaram mesmo, para valer.

Com sua experiência, o que acha mais fácil: conquistar e casar-se com uma mulher, ou separar dela?
O difícil é separar. Casar é facílimo. Separar é sempre uma experiência dolorosa, porque são duas pessoas que vivem juntas, amam juntas, têm aquele contato diário. Isso tudo forma uma espécie de hábito, uma coisa que não é mecânica — quando existe amor, é claro. E, se há amor, é sempre muito dolorosa a separação.

Como foi sua iniciação sexual? Poética, traumática, normal?
Foi o normal de menino da minha idade, de seus 13 anos. Foi na rua Rio de Janeiro, em Belo Horizonte. Tudo providenciado por um tio meu. Foi com uma putinha, né, uma menina de 14 anos ou 15.

E correspondeu às suas expectativas?
Ah, correspondeu plenamente. Foi uma experiência muito boa. Depois o filho da puta inventou que eu tinha deixado a menina grávida. Eu tinha aquela ingenuidade de garoto e acreditei piamente; fiquei apavorado. Ele era um homem de muito mais idade, andava com um grupo de boêmios, era um seresteiro. E me dizia que eu ia ser obrigado a me casar.

E como foi aquela história de um amor fulminante que nasceu numa sala de museu, entre você e uma jovem loura que se viam pela primeira vez?
Era uma exposição de Portinari. A menina era muito interessante, uma graça. Eu dava uma olhada num Portinari e outra nela. E ela também. Eu sei que viemos de lados opostos e, quando a gente se encontrou, foi até um troço emocionante. Eu falei assim: “Eu te amo sabe?” Ela começou a chorar. Aí, pronto. Ela estava noiva, mas acabamos tendo um romance que durou um ano mais ou menos.

Quais os principais planos para o futuro?
Meu plano principal, no memento, é fazer essa moça feliz, a Gilda. Quero aprimorar esse relacionamento conjugal até ele se tornar uma coisa muito sólida. Para mim, seria um terrível desgaste ter de me separar novamente e procurar outra mulher. Inclusive estou chegando a uma idade em que isso fica cada vez mais difícil. Então, gostaria que a Gilda fosse realmente a última. E quando falo última, falo: “Que ela fosse a primeira”. A Gilda tem as qualidades para isso. Naturalmente, vai chegar um dia em que teremos de nos separar por problemas de idade. Mas quanto a esse problema, não posso fazer nada. É um problema da vida, sou muito mais velho que ela, uma moça bastante jovem. Mas como sou um sujeito muito dialético, procuro resolver os problemas na hora. Não penso muito neles antes que pintem.

Além desse plano principal, você tem outros?
Bem, estou um pouco saturado de shows, excursões, música. Vou terminar esses dois livros de poesia e procurar viver minha vida dentro de uma felicidade possível. Se você me perguntar se sou um homem feliz, eu vou dizer que não sou. Não sou porque não sei ser feliz dentro de uma sociedade tão injusta como a nossa. Esse é um problema que me afeta diretamente, me afeta não só como homem de esquerda, mas também como homem, simplesmente, como um ser humano. Então, esse ônus eu vou carregar pelo resto de minha vida, não há saída, porque não tenho a menor esperança de ver as coisas se normalizarem e se equilibrarem ainda no meu tempo.

 

[Entrevista extraída do site www.revistabula.com]

“Uma conversa noturna com Tolkien: setembro de 1931”. Por Alister McGrath

Postado por: em jan 9, 2014 | 5 comentários

 

Alister McGrath

Alister McGrath

 ALISTER McGRATH

 O capítulo final de Surpreendido pela alegria fala de forma breve e atormentadora sobre a transição de Lewis do teísmo “puro e simples” para o cristianismo. Lewis se esforça para deixar claro que essa conversão não teve nada a ver com desejo ou anseio…

A retórica de Lewis nesse ponto parece sobrepujar uma antiga caricatura ateísta da fé, entendida como “realização de um desejo”. Essa ideia, classicamente formulada por Sigmund Freud (1856-1939), procede de uma linhagem intelectual que tem suas raízes nas brumas do tempo. Segundo essa visão, Deus é um sonho consolador dos frustrados, uma muleta espiritual para os inadequados e carentes.  Lewis se distancia de qualquer ideia dessa natureza. A existência de Deus, insiste ele, não era algo que desejava ser verdadeiro. Ele apreciava demais sua independência para isso. “Eu sempre quis, acima de tudo, não ‘sofrer nenhuma interferência’.” Com efeito, Lewis se viu confrontado por algo que ele não desejava que fosse verdadeiro, mas foi forçado a aceitar que era verdadeiro.

[Nas correspondências para seu amigo Greeves] Lewis explicou que sua dificuldade [de passar da crença em Deus para a crença definitiva em Cristo, no cristianismo] tinha sido não conseguir ver “como a morte de Outra Pessoa (quem quer que fosse) dois mil anos antes poderia nos ajudar aqui e agora”. Uma incapacidade de ver sentido nisso o impedira de avançar “durante o último ano ou mais ou menos isso”. Ele podia admitir que Cristo pudesse ser um bom exemplo, mas nada além disso. Lewis percebia que o Novo Testamento tinha uma visão muito diferente, usando termos como propiciação  ou  sacrifício para referir-se ao significado desse evento. Mas essas expressões, declarava Lewis, lhe pareciam “bobas ou chocantes”.

foi a abordagem de Tolkien que parece ter aberto as portas para Lewis, mostrando-lhe uma nova maneira de ver a fé cristã… Tolkien ajudou Lewis a perceber que o problema estava não em sua incapacidade racional  de entender a teoria, mas em sua incapacidade imaginativa de captar o significado dela. A questão não dizia respeito primariamente à verdade, mas ao significado. Quando lidava com a narrativa cristã, Lewis se limitava à sua razão pessoal quando deveria abrir-se para as intuições mais profundas de sua imaginação.

 

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Tolkien argumentou que Lewis deveria abordar o Novo Testamento com o mesmo senso de abertura e expectativa imaginativa que, em seus estudos profissionais, o levaram à leitura de mitos pagãos. Mas como Tolkien argumentou, havia uma diferença decisiva. Conforme Lewis se expressou na sua segunda carta a Greeves: “A história de Cristo é simplesmente um mito verdadeiro: um mito que atua em nós da mesma forma que os outros mitos, mas com essa tremenda diferença de que isso realmente aconteceu”.

O leitor deve avaliar que a palavra mito não está sendo aqui empregada no sentido amplo de um “conto de fadas” ou no sentido pejorativo de uma deliberada mentira com o intuito de enganar”. Essa é a maneira como Lewis entendia outrora os mitos – como “mentiras sussurradas através da prata”. Como foi empregado na conversa entre Lewis e Tolkien, o termo mito deve ser entendido em seus sentido literário técnico, se se quiser avaliar a importância dessa troca de ideias.

Para Tolkien, um mito é uma história que transmite “coisas fundamentais”; em outras palavras, que tenta nos falar sobre a estrutura mais profunda das coisas. Os melhores mitos, argumenta ele, não são falsidades construídas deliberadamente, mas são contos criados pelas pessoas para captar os ecos de verdades mais profundas. Os mitos nos apresentam um fragmento dessa verdade, não sua totalidade. Eles são como fragmentos estilhaçados da verdadeira luz. Para Tolkien, entender o significado do cristianismo era mais importante do que entender sua verdade. Esse entendimento proporcionava um quadro total, unificando e transcendendo percepções fragmentadas e imperfeitas.

Não é difícil ver como a maneira de pensar de Tolkien trouxe clareza e coerência para a confusão de ideias que tanto agitavam a mente de Lewis nessa época. Para Tolkien, um mito desperta em seus leitores o desejo por algo situado além de seu alcance. Os mitos têm uma capacidade inata de expandir a consciência dos leitores, permitindo-lhes ir além de si mesmos. Na melhor das hipóteses, eles oferecem o que Lewis mais tarde denominou “um real embora desfocado vislumbre da verdade divina incidindo sobre a imaginação humana”. O cristianismo, em vez de ser um mito entre muitos outros, é assim a realização de todas as outras religiões mitológicas anteriores. Ele narra uma história verdadeira sobre a humanidade, que confere sentido a todas as histórias que a humanidade conta sobre si mesma.

Está claro que a maneira de pensar de Tolkien tocou Lewis profundamente. Ela respondeu a uma pergunta que havia atormentado Lewis desde sua adolescência: como apenas o cristianismo poderia ser verdadeiro, e tudo o mais, falso? Lewis agora percebeu que ele não precisava declarar que os grandes mitos da era pagã eram totalmente falso; eles eram ecos ou antecipações da verdade plena, que foi dada a conhecer apenas na fé cristã e por meio dela. O cristianismo confere plenitude e completude a percepções imperfeitas e parciais acerca da realidade, espalhadas na cultura humana. Tolkien deu a Lewis uma lente, um jeito de enxergar as coisas, que lhe permitiu ver o cristianismo como algo que traz plenitude a esses ecos e sombras de verdades que surgiam do questionamento e anseio humano. Se Tolkien estivesse certo, “deveria haver” semelhanças entre o cristianismo e as religiões pagãs. Só haveria problemas se essas semelhanças não existissem.

Talvez o mais importante é que Tolkien permitiu a Lewis religar o mundo da razão com o mundo da imaginação…

O cristianismo, percebeu Lewis, lhe permitia afirmar a importância do anseio e da saudade numa narrativa razoável da realidade. Deus era a verdadeira “fonte de onde aquelas flechas de Alegria haviam sido disparadas […] desde a infância”. Assim, a razão, bem como a imaginação, eram afirmadas e reconciliadas pela visão cristã da realidade. Dessa forma, Tolkien ajudou Lewis a perceber que uma fé “racional” não era necessariamente estéril do ponto de vista imaginativo e emocional. Entendida corretamente, a fé cristã podia integrar a razão, o anseio e a imaginação”

 

[ Extraído do livro “A vida de C.S. Lewis”, págs 165 a 170, do autor ALISTER MAcGRATH, Ed. Mundo Cristão, 2013. Compare os preços aqui.]

Nossa Brasilidade: Arte, Filosofia e Espiritualidade.

Postado por: em jan 7, 2014 | Nenhum comentário

por Ruan Bessa

A arte é como criança pequena andando na rua, sempre está de mãos dadas. De um lado, os dedos da filosofia (no sentido amplo do termo) e do outro, os da espiritualidade. Afinal, não há arte que não esteja encharcada de um “jeitão” de olhar o mundo e que não seja expressão do espírito humano que está sempre Coram Deo.

 

A Carioca

A Carioca

 

É na mistura desses ingredientes que Pedro Américo chama atenção. Considerado um dos maiores nomes da história da cultura brasileira no final do século XIX, o pintor deixou símbolos que falam desta nossa brasilidade, com suas vivências e histórias, imbuídos no seu modo humanista de encarar a vida, cujos traços de “A Carioca”, nos remetem a época do Renascimento.

Pedro Américo

Pedro Américo

Entretanto, é na revista Concinnitas Arte Cultura?e Sociedade num artigo do Prof. Rafael Cardoso que está o que mais me chamou atenção a respeito do pintor. Ele comenta:

“Por enquanto, o que importa é registrar a consciência nítida que possuía o artista de estar engajado em um processo de produzir os símbolos do seu tempo”.

Tiradentes esquartejado

Tiradentes esquartejado

 

 

Independência ou Morte!

Independência ou Morte!

Bem ali, no breu das entrelinhas, se esconde um dos sentidos da arte de Américo. Assim é o espírito do homem, sempre expressando a Imago Dei quebrada, deseja que a vida seja vestida de valor e tenha significado. Afinal, “o desejo de eternidade” fez casa no finito.

O peso da poesia cristã

Postado por: em dez 20, 2013 | 1 comentário

 

Obra reúne poetas franceses convertidos ao cristianismo que tiveram influência aqui

por Rodrigo Petrônio*

 

Há diversas possibilidades de abordar a literatura. Na antologia O Rumor dos Cortejos: Poesia Cristã Francesa do Século XX, o poeta, pesquisador e tradutor Pablo Simpson optou por um recorte ousado, e, por isso mesmo, instigante.

rumordoscortejosBlog

No Brasil, alguns dos poetas que integram a coletânea foram assimilados à vertente espiritualista de Jackson de Figueiredo e Alceu Amoroso Lima. Além de traduzidos por Guilherme de Almeida, Mário Faustino e Carlos Drummond de Andrade, eram admirados por Murilo Mendes, Vinicius de Morais, Cecília Meireles e Tasso da Silveira, para ficar em alguns nomes de maior peso. De maneira difusa, ressoam na obra de poetas contemporâneos franceses, como Bonnefoy, Déguy e Jaccottet. A despeito disso, permanecem pouco conhecidos dos leitores do País.

 

Durante o século 20, o cristianismo não teve apenas uma função religiosa na França. Do humanismo integral de Maritain ao personalismo de Mounier, do neotomismo aos pensadores inspirados em Bergson, da renovação metafísica de Gilson, Marcel e Lavelle à hermenêutica de Ricœur, da fé agônica de Bernanos à teoria mimética de Girard, da filosofia da ação de Blondel ao ateísmo cristão de Bataille seus desdobramentos intelectuais foram muitos e profundos.

Em alguns poetas da antologia sobressai a voz confessional. É o caso de Péguy e Claudel, expoentes do catolicismo francês. A rusticidade do primeiro contrasta com o tom devocional e os versos bíblicos do segundo. Mas ambos condensam a experiência poética como uma celebração do mistério. Em outros autores, a cosmovisão cristã surge sob um véu quase panteísta. Em Pierre Emmanuel, ela surge na sacralização das imagens da natureza mescladas à mitologia e em Francis Jammes, nas belas paisagens vitrais.

Mas é da ambivalência estrutural entre sagrado e profano que surgem os pontos altos do livro: Jacob, Jouve, Reverdy, Lubicz-Milosz. É difícil delinear até que ponto as vertentes surrealista ou cubista, a que são associados Jacob e Reverdy, podem ser dissociadas de uma experiência visionária de inspiração religiosa. Em Jouve e Milosz, a descrença, transfigurada no templo profano da poesia, acaba se traduzindo em uma paradoxal possibilidade de acesso ao divino. Nisso parece residir um dos mistérios da condição humana, captado pelo cristianismo e enfatizado pelos poetas de todos os tempos e crenças: Deus só se revela na dúvida.

*RODRIGO PETRONIO É POETA, PROFESSOR DA FAAP, AUTOR DE PEDRA DE LUZ, VENHO DE UM PAÍS SELVAGEM (TOPBOOKS), ENTRE OUTROS – Resenha publicada originalmente em O Estado de S.Paulo. ESSE TEXTO NÃO REPRESENTA A OPINIÃO DO BLOG NOSSA BRASILIDADE, MAS É BEM VINDO PARA ENRIQUECER A PESQUISA SOBRE A POROSIDADE RELIGIOSA NA NOSSA CULTURA.

O livro a que o texto se refere, você pode encontrar aqui: saraiva.