MANIFESTO ANTROPÓFAGO – Oswald de Andrade

Postado por: em jul 11, 2013 | 4 comentários

 

Na década de 1930, ninguém viu, mas foi lá que aconteceu a Fundação do Brasil . A expressão brasilidade tem o significado que tem por causa das ideias que naquela época floresciam; Sergio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre e Caio Prado Jr, Oswald de Andrade e Mario de Andrade, Getúlio Vargas e Assis Chateaubriand. Que época!

Tenho pra mim, na pouca leitura que fiz desse brilhante repertório intelectual, que – ao menos no campo da cultura pop – Oswald de Andrade com seu Manifesto Antropófago estabeleceu o marco regulatório para as próximas vanguardas. Alvo de muitas críticas e milhares de seguidores, alguns sem saber que eram, leia a seguir um texto revolucionário que permanece como a única bula e remédio para os nossos grandes magistrados da arte.

Nos próximos posts apresentarei as controvérsias sobre o texto. Gente que discorda, rebate e bate muito no coitado do Oswald. Por enquanto leiam o Manifesto.

 

MANIFESTO ANTROPÓFAGO

 

 

Só a ANTROPOFAGIA nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.

 

Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos os coletivismos. De todas as religiões. De todos os tratados de paz.

 

Tupi, or not tupi that is the question.

 

Contra todas as catequeses. E contra a mãe dos Gracos.

 

Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago.

 

Estamos fatigados de todos os maridos católicos suspeitos postos em drama. Freud acabou com o enigma mulher e com os sustos da psicologia impressa.

 

O que atropelava a verdade era a roupa, o impermeável entre o mundo interior e o mundo exterior. A reação contra o homem vestido. O cinema americano informará.

 

Filhos do sol, mãe dos viventes. Encontrados e amados ferozmente, com toda a hipocrisia da saudade, pelos imigrados, pelos traficados e pelos touristes. No país da cobra grande (1)

 

Foi porque nunca tivemos gramáticas, nem coleções de velhos vegetais. E nunca soubemos o que era urbano, suburbano, fronteiriço e continental. Preguiçosos no mapa-múndi do Brasil (2)

 

Uma consciência participante, uma rítmica religiosa.

 

Contra todos os importadores de consciência enlatada. A existência palpável da vida. E a mentalidade pré-lógica para o Sr. Lévy-Bruhl estudar.

 

Queremos a Revolução Caraíba. (3) Maior que a revolução Francesa. A unificação de todas as revoltas eficazes na direção do homem. Sem nós a Europa não teria sequer a sua pobre declaração dos direitos do homem.

 

A idade de ouro anunciada pela América. A idade de ouro. E todas as girls.

 

Filiação. O contato com o Brasil Caraíba. Ori Villegaignon print terre. Montaigne. O homem natural. Rosseau. Da Revolução Francesa ao Romantismo, à Revolução Bolchevista, à revolução Surrealista e ao bárbaro tecnizado de Keyserling. Caminhamos.

 

Nunca fomos catequizados. Vivemos através de um direito sonâmbulo. Fizemos Cristo nascer na Bahia. Ou em Belém do Pará.

 

Mas nunca admitimos o nascimento da lógica entre nós.

 

Contra o Padre Vieira (4). Autor do nosso primeiro empréstimo, para ganhar comissão. O rei-analfabeto dissera-lhe: ponha isso no papel mas sem muita lábia. Fez-se o empréstimo. Gravou-se o açúcar brasileiro. Vieira deixou o dinheiro em Portugal e nos trouxe a lábia.

 

O espírito recusa-se a conceber o espírito sem o corpo. O antropomorfismo. Necessidade da vacina antropofágica. Para o equilíbrio contra as religiões de meridiano. E as inquisições exteriores. Só podemos atender ao mundo orecular.

 

Tínhamos a justiça codificação da vingança. A ciência codificação da Magia. Antropofagia. A transformação permanente do Tabu em totem.

 

Contra o mundo reversível e as idéias objetivadas. Cadaverizadas. O stop do pensamento que é dinâmico. O indivíduo vítima do sistema. Fonte das injustiças clássicas. Das injustiças românticas. E o esquecimento das conquistas interiores.

 

Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros.

 

O instinto Caraíba.

 

Morte e vida das hipóteses. Da equação eu parte do Cosmos ao axioma Cosmos parte do eu. Subsistência. Conhecimento. Antropofagia.

 

Contra as elites vegetais (5). Em comunicação com o solo.

 

Nunca fomos catequizados. Fizemos foi o Carnaval. O índio vestido de senador do Império. Fingindo de Pitt. Ou figurando nas óperas de Alencar cheio de bons sentimentos portugueses (6).

 

Já tínhamos o comunismo. Já tínhamos a língua surrealista. A idade de ouro.

 

Catiti Catiti(7)

 

Imara Notiá

 

Notiá Imara

 

Ipeju(8)

 

A magia e a vida. Tínhamos a relação e a distribuição dos bens físicos, dos bens morais, dos bens dignários. E sabíamos transpor o mistério e a morte com o auxílio de algumas formas gramaticais.

 

Perguntei a um homem o que era o Direito. Ele me respondeu que era a garantia do exercício da possibilidade. Esse homem chama-se Galli Mathias. Comi-o.

 

Só não há determinismo onde há o mistério. Mas que temos nós com isso?

 

Contra as histórias do homem que começam no Cabo Finisterra (9). O mundo não datado. Não rubricado.

 

Sem Napoleão. Sem César.

 

A fixação do progresso por meio de catálogos e aparelhos de televisão. Só a maquinaria. E os transfusores de sangue.

 

Contra as sublimações antagônicas. Trazidas nas caravelas.

 

Contra a verdade dos povos missionários, definida pela sagacidade de um antropófago, o Visconde de Cairu (10): – É mentira muitas vezes repetida.

 

Mas não foram cruzados (11) que vieram. Foram fugitivos de uma civilização que estamos comendo, porque somos fortes e vingativos como o Jabuti (12).

 

Se Deus é a consciência do universo Incriado, guaraci(13) é a mãe dos viventes. Jaci(13) é a mãe dos vegetais.

 

Não tivemos especulação. Mas tínhamos adivinhação. Tínhamos Política que é a ciência da distribuição. E um sistema social-planetário.

 

As migrações. A fuga dos estados tediosos. Contra as escleroses urbanas. Contra os Conservatórios e o tédio especulativo.

 

De William James e Voronoff. A transfiguração do Tabu em totem. Antropofagia.

 

O pater famílias e a criação da Moral da Cegonha (14): Ignorância real das coisas + fala (sic.) de imaginação + sentimento de autoridade ante a prole curiosa.

 

É preciso partir de um profundo ateísmo para se chegar à idéia de Deus. Mas a caraíba não precisava. Porque tinha Guaraci.

 

O objetivo criado reage como os Anjos da Queda. Depois Moisés divaga. Que temos nós com isso?

 

Antes dos portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto a felicidade.

 

Contra o índio de tocheiro. O índio filho de Maria (15), afilhado de Catarina de Médicis e genro de D. Antônio de Mariz.

 

A alegria é a prova dos nove (16).

 

No matriarcado de Pindorama (17).

 

Contra a Memória fonte do costume. A experiência pessoal renovada.

 

 

Somos concretistas. As idéias tomam conta, reagem, queimam gente nas praças públicas. Suprimamos as idéias e as outras paralisias. Pelos roteiros. Acreditar nos sinais, acreditar nos instrumentos e nas estrelas.

 

Contra Goethe, a mãe dos Gracos, e a Corte de D. João VI (18).

 

A alegria é a prova dos nove.

 

A luta entre o que se chamaria Incriado e a Criatura – ilustrada pela contradição permanente do homem e o seu Tabu. O amor cotidiano e o modusvivendi capitalista. Antropofagia. Absorção do inimigo sacro. Para transformá-lo em

totem. A humana aventura. A terrena finalidade. Porém, só as puras elites conseguiram realizar a antropofagia carnal, que traz em si o mais alto sentido da vida e evita todos os males identificados por Freud, males catequistas. O que se

dá não é uma sublimação do instinto sexual. É a escala termométrica do instinto antropofágico. De carnal, ele se torna eletivo e cria a amizade. Afetivo, o amor. Especulativo, a ciência. Desvia-se e transfere-se. Chegamos ao aviltamento. A

baixa antropofagia aglomerada nos pecados de catecismo – a inveja, a usura, a calúnia, o assassinato. Peste dos chamados povos cultos e cristianizados, é contra ela que estamos agindo. Antropófagos.

 

Contra Anchieta (19) cantando as onze mil virgens do céu, na terra de Iracema (20), – o patriarca João Ramalho fundador de São Paulo.

 

A nossa independência ainda não foi proclamada. Frase típica de D. João VI: – Meu filho, põe essa coroa na tua cabeça, antes que algum aventureiro o faça (21)! Expulsamos a dinastia. É preciso expulsar o espírito bragantino, as ordenações e o rapé de Maria da Fonte (22).

 

Contra a realidade social, vestida e opressora, cadastrada por Freud – a realidade sem complexos, sem loucura, sem prostituições e sem penitenciárias do matriarcado(23) de Pindorama.

 

Oswald de Andrade

 

Em Piratininga(24)

 

Ano 374 da Deglutição do Bispo Sardinha(25)

 

(Revista de Antropofagia, Ano I, No. I, maio de 1928.)

 

 

(1) Selva amazônica; na mitologia indígena da amazônia, “cobra grande” é o espírito das águas. Esta entidade foi motivo de um longo poema antropófago, Cobra Norato (1931), de Raul Bopp (1898/1984), que, ao lado de Macunaíma (1928), de Mário de Andrade  (1893/1945), compõe exemplos da antropofagia oswaldiana.

 

(2) Referência à extensão continental do país e à necessidade de resolver os problemas lingüísticos no Brasil, se pautava pela tradição lusitana, ignorando as especificidades do país. Retomada, sob outro ângulo, da grande polêmica por José de Alencar (1829 / 1877), na vigência do Romantismo brasileiro no século XIX.

 

(3) Oswald idealiza a união dos indígenas através do vocábulo caraíba, que designa tanto uma das comunidades indígenas com as quais os primeiros portugueses tomaram contato à época do Descobrimento do país, que viviam mais ao norte, quanto uma grande família lingüística a que pertenciam várias tribos brasileiras mais ao sul.

 

(4) Antônio Vieira (1608/1697), lisboeta de nascimento, fez seus estudos com os jesuítas na Bahia, ordenando-se aos 26 anos. Tinha idéias avançadas para sua época e devido a elas foi inúmeras vezes criticado. Oswald de Andrade refere-se, aqui, à investida políticoeconômica na exploração do açúcar maranhense, à época do período colonial, o que beneficiou apenas a metrópole portuguesa, deixando em franca miséria a então colônia.

 

 

(5) Referência à elite intelectual que busca copiar os modelos europeus, em exclusão do sentimento de “brasilidade”. Neste sentido, os vegetais são entendidos como seres vivos sem mobilidade, o que equivale a dizer sem a capacidade crítica que fomenta as mudanças.

 

 

(6) Junção, numa única referência, da produção romanesca indianista de José Martiniano de Alencar (1829/1877), escritor romântico brasileiro de reconhecido valor, com a ópera O guarani, do músico também romântico Antônio Carlos Gomes (1836/1896), cujo libreto foi escrito a partir do romance homônimo de Alencar. Em ambos textos o herói indígena, Peri, tem atitudes cavalheirescas em consonância aos grandes senhores portugueses.

 

(7) Catiti catiti/ Imara Notiá / Notiá Imara / Ipeju: pequeno “poema” em língua indígena, a qual, pelo apelo sonoro e lúdico, é aproximada da estética surrealista. Couto Magalhães traduziu por: Lua nova, ó Lua Nova! Assoprai em lembranças de mim; eis-me aqui, estou em vossa presença; fazei com que eu tão somente ocupe seu coração.

 

(8)  “Lua Nova, ó Lua Nova, assopra em Fulano lembranças de mim”, in O Selvagem, de Couto Magalhães.

 

 

(9) Referência ao ciclo das grandes descobertas ultramarinas portuguesas iniciadas em 1421, sob o comando do infante Dom Henrique, filho de Dom João I, que, para o Reino de Portugal, culminou com a Descoberta do Brasil em 1500; o acidente geográfico mencionado por Oswald é a conhecida Ponta de Sagres, ou seja, um cabo formado por rochas elevadas, lugar ermo e de beleza trágica de onde teriam partido as primeiras expedições oceânicas portuguesas, ou seja, a expansão do homem europeu; na realidade, estas expedições sob o comando do infante Dom Henrique partiram da Vila de Lagos, localizada a cerca de 30 km a leste da Ponta de Sagres, na região do Algarve.

 

(10) José da Silva Lisboa, economista do início do século XIX que, tendo adotado a política liberal do Marquês de Pombal, posicionou-se contrário à permanência jesuíta no Brasil.

 

(11) Moeda portuguesa feita de ouro ou prata.

 

(12) Réptil da ordem dos quelônios e da família das tartarugas; habitante das matas brasileiras, nas religiões indígenas representa a perseverança e a força.

 

(13) Guaraci e Jaci: entidades divinas indígenas que representam o sol e a lua, respectivamente. São os dois princípios que governam o mundo.

 

(14) Oswald refere-se à repressão sexual das crianças, as quais eram doutrinadas no sentido da inexistência de vida sexual na procriação; à cegonha era atribuída a função de entregar os bebês aos seus pais.

 

(15)  Índio filho de Maria, afilhado de Catarina de Médicis e genro de D. Antônio de Mariz: por alusão a personagens extraídos de obras indianistas, Oswald propõe o repúdio ao aculturamento dos índios pela civilização branca cristã e ocidental.

 

(16) Elaboração matemática para comprovar o resultado de operações aritméticas elementares.

 

 

(17) Em tupi, terra de palmeiras; designa, por extensão, o Brasil, cuja costa litorânea era coberta pela planta; a palmeira, desde o poema canção do exílio, do poeta romântico Gonçalves Dias (1823/1864), transformou-se em um dos ícones do país.

 

(18) Rei de Portugal, que veio para o Brasil-colônia em 1808 com todo seu séquito, fugindo do avanço napoleônico na Europa. Oswald faz referência à usura desmedida dos cortesãos.

 

(19) José de Anchieta (1534/1597), padre jesuíta que veio para o Brasil no início da colonização portuguesa e que, a pretexto de catequizar os índios, criou um sistema de desculturação pela arte teatral.

 

(20) Anagrama de América, é também o nome da índia protagonista do romance homônimo de José de Alencar (1829/1877) que, junto com O guarani, se transformou em emblema de brasilidade durante a vigência do romantismo no país.

 

(21) Oswald menciona, de forma irônica e jocosa, o ato da Independência do Brasil, ocorrida em 7 de setembro de 1822, protagonizada pelo primogênito do então rei de Portugal. O príncipe português governou até 1831 e ficou conhecido como Dom Pedro I, o primeiro Imperador do Brasil.

 

(22) Camponesa portuguesa que liderou uma rebelião, em 1846, contra as opressões político-econômicas de D. Maria da Glória, então rainha de Portugal. Pleiteava, entre outras coisas, a colocação de produtos agrícolas portugueses no mercado interno que estava, na época, dominado por produtos ingleses.

 

(23) Oswald fala no matriarcado numa referência à libertação do sujeito, em oposição ao patriarcado, este sim, governado por instituições de poder amplamente castradoras e cheias de interditos.

 

(24) Em língua indígena, nome da região onde surgiu a futura cidade de São Paulo.

 

(25) Oswald busca uma marcação temporal para a existência brasileira, que no Manifesto começa com o primeiro ato antropófago conhecido oficialmente; o Bispo Sardinha, isto é, Pero Fernandes (?/1556), naufragou no litoral do nordeste brasileiro e morreu como  vítima sacrificial dos índios caetés. Oswald equivocou-se nas datas, acrescentando 2 anos ao tempo decorrido entre a morte do Bispo Sardinha e o ano de publicação do Manifesto Antropófago. Entretanto, Oswald parece desconhecer as cartas de Américo Vespúcio, em uma das quais o aventureiro florentino afirma ter assistido um ritual antropofágico em 1501, na Praia dos Marcos, no Rio Grande do Norte, em que a vítima era um europeu.

 

ANDRADE, Oswald de. O manifesto antropófago. In: TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda européia e modernismo brasileiro: apresentação e crítica dos principais manifestos vanguardistas. 3ª ed. Petrópolis: Vozes; Brasília: INL, 1976.
Comentário e hipertextos: Raquel R. Souza (FURG)
JORGE AMADO SOB A INFLUÊNCIA DO CANDOMBLÉ

JORGE AMADO SOB A INFLUÊNCIA DO CANDOMBLÉ

Postado por: em jun 11, 2013 | 14 comentários

 

Jorge Amado foi Obá Arolu. Possuia direito de voz e voto no grupo que forma o corpo executivo do terreiro, doze ministros que ajudam a mãe de santo na administração do templo. Esse título honorífico do Candomblé, segundo a Wikipédia, foi criado por mãe Aninha em 1936 no Axé Opó Afonjá (talvez o terreiro mais influente do mundo, localizado em Salvador, Bahia). Outro baiano, Gilberto Gil, além de ter sido iniciado nesse mesmo terreiro, também recebeu um título lá dentro: Obá Onikoyi – mesmo título de Dorival Caymmi. Uma posição inferior a de Amado, mas que possui função consultiva dentro desse time de amigos e protetores do terreiro, cuja lista completa você pode ler aqui. “Esses ministros eram antigos reis, príncipes ou governantes dos territórios conquistados por Xangô no país de Yôrubá”, explica o historiador Edison Carneiro em Candomblés da Bahia.

A Indústria Cultural é um Artefato.

Postado por: em jun 6, 2013 | 3 comentários

A indústria cultural é um artefato construído pelo mercado, onde o artista e sua obra são subordinados a certas determinações da esfera econômica para, então, ver definido identidade e alcance do seu fazer artístico. Isso pode ser trágico! É por isso que o compositor, por exemplo, deve conhecer não apenas sobre como construir uma boa música, mas, também, sobre como o mercado se comporta. Distinguir música de mercado é muito importante na hora de falar sobre identidade artística – assunto já manjado – mas não pode ficar só nisso; deve-se saber alguma coisa sobre “nicho”, “público alvo”, “circuito cultural”, “comunicação”, “prateleiras”. Logo o artista informado vai perceber algo curioso: assim como o compositor determina se toca uma sétima maior naquele acorde ou não, o mercado tem o poder de alterar o artefato “indústria cultural” fazendo-lhe receber ou perder elementos que julga fundamentais para sua continuação.

 

Palavrantiga, Tanlan e Lorena Chaves nas prateleiras do rock nacional e mpb é fruto de uma alteração consciente e articulada por esses artistas que descobriram outro fundamento para determinar identidade. Quando torna-se inadiável a constatação de que devemos classificar música musicalmente e que a confissão religiosa do autor não é fator estético válido para designarmos um estilo, consequentemente aparece um novo desafio: o que fazer com as classificações adotadas pela indústria fonográfica até o momento? Outra questão: como fica o repertório do samba e da mpb que depois dos anos 1960 adotou o panteão afro-religioso como discurso escrachado e nos fez acreditar que isso é “cultura brasileira”?  Construções, desconstruções… Um pensamento que nos leva a agir dentro da indústria cultural com ferramentas de diálogo antes desconhecidas.

Com todo respeito aos donos de gravadora, contratantes, presidentes de emissora de TV, rádios, revistas, jornais, blogs e qualquer outro tipo de veículo de comunicação, vocês precisam chamar os artistas para um cafezinho. Certamente, vocês vão se surpreender com a capacidade do papo transpor as fronteiras estéticas e chegar no campo antes dominado por executivos. Esse diálogo tornará nossa indústria cultural ainda mais rica em todos os sentidos.

 

Marcos Almeida

 

HISTÓRIA DA MODA NO BRASIL – EPISÓDIO UM

Postado por: em jun 5, 2013 | 1 comentário

 

Criando o hábito de ver, ouvir e também ler aqueles que pensam a identidade brasileira, temos a honra de transcrever o primeiro episódio da História da Moda no Brasil. Trata-se de uma série de 4 programas – 26 minutos, cada um –  que traz uma leitura antropológico/histórica da Moda no Brasil. Dirigido por Tatiana Lohmann e Luiz André Prado, conta com os principais nomes da nossa costura tupiniquim. Aproveite!

Morre o poeta Mário Quintana

Postado por: em jun 4, 2013 | 2 comentários

 

 

 

Morre o poeta Mário Quintana

Morre em Porto Alegre, aos 87 anos, o poeta Mário Quintana. O poeta estava internado desde sexta-feira. Ontem o estado de saúde dele se agravou com problemas cardíacos e respiratórios.

“Um anjo em forma de homem”. Assim – outro gaúcho – o escritor Érico Veríssimo, definia o amigo Mário Quintana. Quintana foi tão tipicamente gaúcho quanto à cuia do chimarrão. Para ele, tudo era motivo para fazer poesia. Dos pequenos aos grandes sentimentos da vida.  “Eu sou um menino por trás de uma vidraça. Nasci no ano da descoberta do gás neon”, dizia o poeta Mário Quintana.

Era uma noite gelada de julho de 1906 na cidade gaúcha de Alegrete, quase fronteira com a Argentina.

 

“Minha vida está nos meus poemas.
Meus poemas são eu mesmo.
Nunca escrevi uma vírgula que não fosse uma confissão”.

 

O poeta da prosa e do verso escreveu 56 livros. A inglesa Virginia Woolf e o francês Marcel Proust tiveram sorte. Ganharam o poeta como tradutor.

Escrevendo e fumando, hábito que lhe deixou uma saúde frágil. Mas nos passeios pela rua da praia em Porto Alegre, deixava a luz mansa do sol do outono gaúcho esquentar a vontade de escrever.

“O verdadeiro poeta não lê os outros poetas”, dizia ele. “Lê os classificados dos jornais, um lugar certo para aprender os sentimentos do povo”.

Quintana gostava de dizer que descobriu Porto Alegre como quem descobre os segredos de uma mulher. A cidade é ele. E suas frases, sua tiradas sobre o cotidiano se misturam como prima da cidade.

“sinto uma dor infinita das ruas de porto alegre onde jamais passarei…”

Um segredo Quintana guardou bem fundo no coração, nunca ninguém soube quem foi o grande amor do poeta. Dizia que eram três as suas amadas, mas não lhe citava os nomes. Para ele, elas sabiam, e isso era o suficiente.

“Uma musa é sempre um ponto de partida e não um ponto de chegada…”

Sempre viveu em hotéis. Era o jeito de estar só, acompanhado. E sussurrava: “moro dentro de mim mesmo”.

A infância era uma invenção do adulto, brincava o poeta.

E foi brincando com o alfabeto que ele escreveu para as crianças o batalhão das letras.

“com X se escreve xícara
Com X se escreve xixi.
Não faça xixi na xícara.
O que irão dizer de ti?”

Quando a prefeitura de Alegrete lhe pediu um verso para um monumento, Quintana mandou um recado:

“O engano em bronze, é um engano eterno”.

Perdeu nas três vezes em que se candidatou a uma cadeira da Academia Brasileira de Letras. E essa magoa Quintana fez questão de nunca esconder. “Quem será aceito três vezes era trágico, mas não será aceito pela quarta, quinta, sexta, sétima vez. Eu volto a persistir, uma coisa… seria cômico, não?”

Irônico, tinha sempre a resposta pra tudo em forma de poesia.

 

“A mentira é uma verdade que esqueceu de acontecer.”

“Fumar é uma maneira de suspirar, de queimar as ilusões perdidas.”

“A burrice é a dificuldade de entendimento que ocorre nas outras pessoas.”

“Uma vida não basta apenas ser vivida, também precisa ser sonhada.”

“A matemática é o pensamento sem dor.”

 

Quintana driblava a dificuldade e devolvia com poesia.

 

“Todos estes que aí estão atravancando o meu caminho,
Eles passarão.
Eu passarinho!”

 

Mário Quintana
1906-1994