Em MPB, SEXO

Baixaria, Música & Romance – a MPB entre dois amores rivais.

Postado por: em jan 24, 2014 | 5 Comentários

Quando a gente canta sobre o amor, de quem estamos falando?

 

A MPB vive, hoje, entre dois amores. Tempos atrás era mais caída por Eros, agora parece ser Vênus quem quer usar o pobre coração da nossa música popular. Mas, quem é Vênus? Vênus não é namoro, não é noivado, nem casamento, ela não quer a posse do outro. É apenas ficar, sem culpas. É o tesão, é o uso, é o provar, é a vontade, é a sacanagem e a sensualidade. É contra o sonho da ‘alma gêmea’, detesta os moralistas, Vênus é inimiga do ideal romântico, de qualquer  sofrimento por amor, de qualquer tipo de dor de cotovelo, é o elogio ao desapego.Vênus não deseja uma pessoa, ela quer o puro prazer. Vênus não deseja uma pessoa, ela quer o corpo. Vênus é sexo. Vênus é liberdade. Essa é a ideia progressista de um tipo de felicidade que se pode dar a si mesmo em tempos hipermodernos.

O escritor Guilherme de Carvalho chama isso de “instrumentalizar o corpo sexual para aumentar a liberdade de escolha”. Como ele já escreveu, “o que está por trás da presente cultura da ‘pegação’, da liberação sexual… : [é] nada menos que o estupro do corpo, perpetrado pelo próprio ‘self’. A negação da subjetividade do corpo sexual, e sua redução ao objeto. A violência do eu externo pelo eu interno.”

Suspeito que Flávio Gikovate, o guru do sexo na CBN, deve achar moralista demais esse pensamento de Carvalho. Veja, agora, o que Gikovate diz sobre Vênus, especialmente sobre a cultura do ficar: “Umas das poucas coisas que evoluíram na sociedade brasileira (nesse plano sexual) é a história do ficar, que não existe em outro lugar do mundo como aqui. Você ver jovens adolescentes com intimidades sexuais sem compromisso, sem namoro e sem grana no meio. É a primeira coisa que acontece em muitos e muitos anos que tem um potencial de melhorar os futuros relacionamentos entre as pessoas. Antigamente, os homens e mulheres chegavam à maioridade sem ser amigos, sem viajar juntos e sem ninguém transar com ninguém”.

O professor Rodolfo Amorim, confirmou isso com dados estatísticos, inclusive entre os cristãos; ficar, pegar e transar sem compromissos não é coisa só de pagão. Seria verdade dizer que quando cantamos músicas de amor que tratam a sexualidade a moda de Vênus, é porque já estamos vivendo dessa forma? A canção seria a expressão de uma realidade social?

Parece, no entanto, que Gikovate e Carvalho não se encontram sobre a razão e o propósito desse avanço de Vênus na nossa cultura.

E quem é Eros? Eros tem sido caluniado, chamado de careta, de piegas e retrógrado. Porque ele significa o amor romântico, o sonho da ‘alma gêmea’, é a simbiose, é o sofrimento por amor, é a dor do apego. É a maneira empolada de falar, jamais usa palavras obscenas e pornográficas. É aquele lugar comum da linguagem romântica, vocabulário batido,  é a trilha sonora de quem quer levar a amada até o altar, é o pra sempre – é o brega! Hoje fazem de tudo para desqualifica-lo, curiosamente, emprestando-o características de Agápe, o carola-mor para a rival Vênus.

Está ficando mais claro que, na cultura brasileira contemporânea,  as coisas estão se modificando, Vênus tem sido elevada ao status de Eros (vênus, a baixaria, é o atual erótico) e, por conseguinte, Eros tem sido promovido à Agápe (o ápice do amor na nossa música não é a caridade é o piegas romântico). No Brasil isso é traduzido pela alteração no significado dos termos ‘amor’ e ‘sexo’. Amor, como cantado hoje, é o que para nós cristãos sempre foi o afeto erótico. Então, o lugar mais alto dos afetos (na música popular) é Eros, o Romântico. E ao falar de sexo tem-se a impressão de que é por Vênus que se canta.

Definidos os termos, vamos ao duelo. Quem ganhará o coração indefeso da MPB? Vênus ou Eros? O selvagem ou o Gentil? A Baixaria ou o Romance? Quem cantará a respeito do sexo na nossa intimidade; Celly Campello, Wanderléa, Marcelo Camelo, Adelino Moreira, Lupcinio Rodrigues, Tom Jobim ou vamos no repertório de Marina Lima, Ângela Ro Ro, Raimundos, Tribalistas, Kelly Key e Tati Quebra-Barraco?  Nos próximos capítulos vamos descobrir quem será o vencedor, enquanto lemos as letras desse nosso vasto cancioneiro popular.

5 Comentários

  1. Zhé Lopes
    24 de janeiro de 2014

    Ótimo texto. Eu estava pensando mesmo em escrever sobre o amor que tanto se canta hoje. Obrigado pelo embasamento teórico.

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  2. Mateus Atadeu
    24 de janeiro de 2014

    Excelente Marcos!Parabéns! O ápice do amor, aquilo que faz mais bem e que traz mais felicidade verdadeira é o Agape. Se soubéssemos o valor que tem isso, o que mais desejaríamos ter com a pessoa seria o amor que se sacrifica por essa outra pessoa, que quer acima de tudo o bem verdadeiro do outro né

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  3. Raidira
    25 de janeiro de 2014

    Excelente reflexão.Há uns tempos atrás, li um livro sobre a sensualizacao da música brasileira e me parece que o livro precisa de um “complemento” em tempos de amor que não é mais amor.

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  4. Erick Freire
    27 de janeiro de 2014

    Ótimo texto Marcos. Me fez lembrar da música ‘Amor e Sexo’ da Rita Lee.

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  5. Pedro
    24 de março de 2014

    Ótimo texto parabéns!

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